8.10.08

Vivam em comunhão, ovelhinhas!

Essa semana acabei de reler 1984, de George Orwell. A primeira vez que o li foi em julho de 2004. Era casada e evangélica, mas minha fé já estava em crise, assim como meu casamento. Em maio daquele mesmo ano eu havia abdicado de ser uma das 12 apóstolas especiais da pastora. É um cargo que dá status dentro da igreja, mas também gera muito trabalho.

Foi uma decisão difícil abrir mão do tal cargo porque ele é visto como uma espécie de chamado especial de Deus. Mas as responsabilidades eram muitas e eu as levava muito a sério: reuniões com minha célula (espécie de estudo bíblico), grupo de jovens sábado à noite (eu era líder), cultos de domingo à noite, cultos de domingo pela manhã uma vez por mês, reuniões semanais com a pastora e suas outras "apóstolas"... Reuniões essas em que rolava mais fofoca do que qualquer outra coisa. Você não é capaz de imaginar o quanto um bando de crentes reunidos pode ser fofoqueiro. Eu ainda tentava dissuadir as irmãs de ficar fofocando e partirmos para o lado espiritual. Eu era uma crente bem caxias mesmo.

Havia também os Encontros e retiros, que exigiam não só que perdessemos o final de semana do próprio evento, mas também que nos reuníssemos diariamente para orações e súplicas a Deus em prol dos tais retiros. Além disso, havia ainda os aniversários de membros da igreja, as conversas pessoalmente ou por telefone para aconselhar discípulos, as células do meu marido (um bando de rapazes ignorantes e incultos enchendo a minha sala), os aconselhamentos a jovens casais de namorados, as apresentações musicais da banda gospel do marido, os congressos, as viagens para congressos, as vigílias, os jejuns e uma infinidade de outras coisas que pudessem ser inventadas para manter as ovelhas marchando em perfeita harmonia e comunhão.

"Como é bom que os irmãos vivam em comunhão", diz a Bíblia. E se a Bíblia diz, é isso que vamos fazer: estar sempre juntos, unidos, amarrados uns aos outros por compromissos sem fim. Não era obrigatório participar de tudo, mas quem passa um bom tempo na igreja sem participar de nada, indo apenas aos cultos, logo se torna apenas um peão, um membro sem importância. Livre de muitas responsabilidades, mas também sem poder. Claro que ninguém admite que este é o motivo de estar presente em todas as ocasiões. Claro que é por amor a obra de Deus, por um chamado especial do Senhor Jesus, etc, etc, etc. Mentira. O amor ao poder move as rodas da igreja. É assim com a Católica Apostólica Romana e é assim com os protestantes, sejam pentecostais ou tradicionais. Eles estão sempre presentes às convocações porque quem está sempre presente sabe de tudo, vê tudo, ouve tudo, conhece mais e por conseqüência, pode mais.

Conhecimento é poder e isso é uma verdade entre os evangélicos também. Ora, por que gastar dinheiro e tempo em congressos do outro lado do Brasil e, quiçá, até do mundo? (A grande onda agora é ir a Jerusalém - é o sonho de consumo de qualquer cristão-pentecostal, sobretudo aqueles que seguem a Igreja em Células no Modelo dos 12.) Porque assim se está por dentro de todas as novidades, conhece-se as "estrelas" do mundo evangélico, ouve-se as pregações mais porretas (aquelas em que o pastor tem um domínio de público tão grande que promove catarses coletivas em que as pessoas choram, deliram, rolam no chão, pulam, gargalham e dançam freneticamente). Um Woodstock de Deus em que, ao invés de engolir LSD, engolem-se palavras dos pregadores e ao invés de se escutar boa música, escutam-se letras repetitivas dos cantores cristãos: Deus eu quero te ver; quero mais de ti; vem me tocar; me molha com tua chuva e por aí vai... (Mas isso é assunto para um próximo post.)

Por tudo isso e mais um pouco que naquele julho de 2004, George Orwell me conquistou. Eu sorria e abria a boca espantada lendo 1984. O livro é uma metáfora política sobre um mundo sutilmente escravizado por um partido político, que se apresenta na figura do Grande Irmão. George Orwell escreveu-o com o objetivo de ser um alerta sobre como os sistemas de governo podem controlar o cidadão. Mas eu via mais do que política naquele livro. Eu via, ali descrito, muitos dos métodos que a igreja usava para manter-nos pacíficos, fiéis aos seus princípios e incapazes de questionar os dogmas que seguíamos.
Hoje é muito estranho quando vejo algumas pessoas entregando grande parte de seu tempo, dinheiro e pensamentos para a religião. Não cogitam a possibilidade de faltar um culto de domingo, passam finais de semana acampados em lugares feios e úmidos, gastam seu dinheiro em dízimos, congressos e ofertas e convivem com pessoas que nada lhes acrescenta em termos culturais.

E eu era exatamente desse jeito. Fervorosamente, desse jeito.

Qualquer semelhança não é mera coincidência...

"Era a segunda vez em três semanas que faltava a um sarau no Centro Comunal: gesto audacioso, pois podia ter a certeza de que era cuidadosamente verificado o número de presenças no Centro. Em princípio, um membro do Partido não tinha horas vagas, e não ficava nunca só, exceto na cama. Supunha-se que quando não estivesse trabalhando, comendo ou dormindo, devia participar de alguma recreação comunal; era sempre ligeiramente perigoso fazer qualquer coisa que sugerisse o gosto pela solidão(...)"

(George Orwell - 1984)

Juliana Dacoregio, no blog Heresia Loira.

17 comentários:

Eliézer disse...

O Caio Fábio tem uma definição legal para esse estilo de vida: rodinha de hamster. O cara corre, corre e não sai do lugar.

Unknown disse...

Tempos atrás eu vivia em situação semelhante. Sentia-me aprisionado a um sistema. Tudo é apenas fachada. Fica-se alheio à cultura, arte, música de qualidade... O aprisionamento em dogmas e preceitos religiosos é transfigurado em liberdade em Cristo. Sem falar nos esquemas para conseguir mais facilmente que os irmãos "ofertem voluntariamente". Entre outras coisas. Sinceramente? Cansei. É isso.

juberd2008 disse...

Pava, este texto mostra o ativismo que muitos vivem na igreja, em um ciclo vicioso.

Anônimo disse...

Triste ler este artigo da Juliana. Mais triste ainda é ler os outros comentários. SEGUIR A JESUS CRISTO, AMÁ-LO, É A MAIS ALTA FORMA DE LIBERDADE QUE EXISTE. Não estou aqui falando de religiosidade, de legalismo, de fórmulas humanas, mas do Cristo puro, do Cristo maravilhoso, que veio salvar o perdido, curar os doentes (de alma!), nos doar o Seu amor puro. Esta é a grande diferença entre os religiosos e os espirituais. Os religiosos seguem preceitos humanos e perguntam O QUE DEUS PODE ME DAR? Os espirituais, por outro lado, louvam a Deus com suas vidas e perguntam a Deus: O QUE POSSO DAR AO SENHOR?
Este artigo da Juliana é o produto de uma geração que infelizmente tem sido decepcionada com o sistema religioso neopentecostal.Mas não irei me estender nisso Um conselho, querida Juliana, JESUS CRISTO disse que não habitava em templos feitos por mãos de homens. Ainda que o sistema de homens tenha lhe decepcionado, Jesus jamais decepciona alguém. Um abraço fraternal.

Thiago Mendanha disse...

O que a Alzira disse procede...

Infelizmente muitos afastam-se da religiosidade cristã, a "i"greja organização humana, instituição de homens e colocam Deus nesse pacote descartável!

Pena, mas fazer o que? Esperar que o Espírito cure a alma destes decepcionados e que os ensine a distinguir Deus de "i"greja!

Cara, esse post é a minha cara... rs

Anônimo disse...

Há uma confusão instalada no seio da "igreja". Muitos pensam que o que Deus quer que façam é o que se é ensinado pelos "apóstolos", "bispos" e "pastores" - daí começam a se embrenhar em toda essa proatividade doentia. Na verdade, a palavra espera que sejamos reativos, movidos pelo Espírito de Deus. Espera, também, que nos aquietemos e saibamos que Ele É quem faz, quem opera, quem trabalha! Ainda, espera que descansemos nEle... O Evangelho de Jesus liberta o homem, mas alguns, em nome do "evangelho", o escraviza.

Lucas Donato disse...

Querida Juliana,

jogue fora a água suja, mas não o bebê. Jesus é real e disse: Eu edificarei a minha Igreja. Portanto, olhe para Ele e creia que existe comunidades saudáveis, pecadores em transformação, perdoados e perdoadores que promovem o Reino.
Grande abraço, Edgar Rodrigues

Anônimo disse...

Sra.Juliana e Sr.Sergio.Parabens pelo excelente desserviço que prestam à comunidade evangélica.Se vocês são cristãos não sei, mas se o são me insultam mais que os que não o são com seus comentários. Acaso já não há descrentes em demasia atacando o evangelho para que vocês os ajudem?

Anônimo disse...

JESUS é o alvo, a igreja somos nós, deixe o Espírito Santo te guiar. Sua cabeca está confusa, tenho certeza que vc ainda nao teve um encontro com JESUS. Analise cada situacao proposta e avalie se tem respaldo biblico. Existem muitos ESPERTOS vestidos de pastores. NAO DESVIE O FOCO... JESUS.

Anônimo disse...

Concordo com tudo que você falou, apenas sua colocação em servir a Cristo não tem fundamento, sim de fato você era uma ovelinha, assim como há muitas que se colocam debaixo de homens e mulheres que se dizem de Deus, mas na verdade Deus é o Criador, Deus é a vida, a alegria de viver que devemos ter não consiste em uma religião ou em um dogma, o pelo que percebi, o que viveu foi apenas isso, dogma e religião, Cristo é muito mais que isso, Cristo é liberdade e vida.
Espero que ainda encontre a resposta.

Anônimo disse...

Fiz um comentário no blog da Juliana, acho relevante:

"Julinana,

Não vou me estender muito, até porque isso é um comentário, e comentar a vida dos outros é uma chatisse. Mas me preocupa o extre oposto. Explico: Há hoje, graças a Deus, eu acredito, uma crise imensa na igreja (ibópicamente). Nem chamo de crise de autoridade, pois a igreja não tem que ter autoridade sobre a vida de ninguém, mas de valor. Viramos comércio. Isso é grave. Mas me preocupa quando alguém percebe isso e abandona tudo, inclusive a fé em Cristo. A fé em Cristo NÃO implica em emburrecimento. Vc no seu texto admite que se enfronhou desta forma, e que percebeu que buscava poder e status. Vc teve o que procurou. E só. O Steve Brown diz que 'a igreja é uma puta, mas é minha mãe'. De uma certa forma sarcástico, mas faz sentido. Nossas vozes ganham mais força quando temos raiva ou rancor, e nossa mente funciona melhor em situações de tristeza e pesar. Alegria entorpece (mas é gostosa). Isso não é só bíblico, mas fisiológico, do ponto de vista médico.

Vc comenta que viver a fé de forma inteligente é difícil... talvez, apesar de não achar. O cidadão médio é medíocre em tudo, na forma de congregar, de cantar, de ler (se é que lê), no que assiste na TV, no casamento, na forma como cuida da saúde (geralmente só pensa em emagrecer) e na forma de se vestir entre todas as outras coisas.

Pelo visto, você, assim como muitos, e eu mesmo por um bom tempo se entregou ao mais fácil, ao que estimularia seu ego, melhor. E não achou o que poderia ter achado: convivência, companheirismo, intimidade saudável e ombro amigo (uma versão para parakletos...).

Cuide-se, não perca o rastro. O problema geralmente está na gente, que quer e não admite. Insisto, pelo que entendi, você conseguiu o que queria. Jesus nunca disse para termos cargos em aquários de crentes, mas para dedicarmo-nos a ele O QUE É INTEIRAMENTE DIFERENTE. Ouvi de um ortodoxo outro dia que o erro das pessoas consiste em achar que espiritualidade está apenas em afazeres da igreja. Dar um copo de água para um empregado, ou avisar que o cadarço de um corredor está desamarrado também são espiritualidade cristã e serviço a Cristo. Gosto disso.

Um abraço, e empunhe bandeiras com calma..."

Andre

Anônimo disse...

Juliana...

Desculpe me parece que se magou com a igreja, e agora todos são errados e você certa... hum, facinho assim né...

Sai da igreja, falando mal de tudo e de todos... muito facinho...

MamaNunes disse...

Muitos de nós viveram essa mesmice religiosa da qualfala nossa Juliana... Difícil não concordar com ela (viví tudinho na pele), mas ainda assim, quero ser obediente a Deus, que me diz:
"Não deixeis de congregar-vos..."
Só que não toooodo domingo na mesma hora, no mesmo lugar, com as mesmas canções, mesmos costumes, doutrina e bá,bláblá....
Bendita Internet!!!!!!

Professor Gil - DEMAT/I - UNICENTRO disse...

Juliana, concordo plenamente com você! E arrisco a dizer que você foi realmente iluminada.
Eu também já trilhei pelos caminhos da fé. Com o passar do tempo, comecei a ler mais, refletir sobre o que lia, questionar as verdades absolutas que os dogmas nos impõem. Não cheguei a ler George Orwell, mas você certamente instigou minha curiosidade!
Já tive um rebanho de ovelhas e pude realmente constatar que o animal é muito estúpido: quando fogem de um perigo, vão todos para o mesmo lado, juntos, mesmo que seja a escolha errada, que os levará à morte. Isso me levou a ver mais claramente o motivo pelo qual os fiéis de uma igreja, ou até mesmo seguidores de um partido político, merecem a alcunha de ovelhas.
Hoje, adepto do agnosticismo e simpatizante da anarquia, eu sinto o sopro de liberdade rompendo as amarras que me mantinham atrelado ao rebanho.
Os cristãos seguem as idéias de Jesus Nazareno, filho de José, o carpinteiro. Mas essas idéias são mesmo dele? Será que esse "líder" não teria sido fabricado por um grupo de estafetas sedentos de poder e com profunda raiva do jugo de Roma? Por que há tantas inconsistências nos relatos bíblicos? Por que há tantas tentativas de se encaixar o perfil desse nazareno pobre e, provavelmente, analfabeto com o de um descendente dos reis de Israel? O que há por trás de tudo isso?
De fato, ninguém nunca irá saber. Mas uma coisa eu concordo: toda organização religiosa quer poder, controle sobre as massas, exatamente como um pastor que, com seu cajado, conduz as ovelhas, não só para pastos verdejantes, mas também para o matadouro.

Juma disse...

Pava...

acho que quando vc pegar textos de fora, vc podia deixar mais claro que os textos não são seus... tem cada comentário doido (de gente achando que vc é a Juliana)... e eu, por um instante, também fiquei meio perdido...
Põe lá em cima: "Postagem da Juliana no blog dela"... sei lá, só pra ficar mais visível!
Abraço.

berna disse...

Pôxa, parece mais tese para doutorado.(rsrs)

Daniel disse...

Juliana, tenha um real encontro com Deus, e não encontro com pastores, não busque poder e cargos na igreja, busque a Deus, senão dará um abraço fraterno no autor George Orwell...onde quer que ele esteja....as igrejas são feitas por humanos falhos, então jamais achará igreja no mundo que vai te agradar em 100%, como as empresas e toda sociedade também erra, e nem por isso peço demissão do meu emprego ou peço afastamento da minha família.Vendo o texto dessa pobre moça nunca II Pedro 2:17 a 22 fez tanto sentido....ouviu a palavra, esteve lá e tendo ouvidos e olhos, não ouviu e nem viu....e não compreendeu o real sentido do corpo de Cristo....

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