8.10.08

Apartai-vos de mim

Mais um espetáculo eleitoral requer dez minutos da minha paciência e, para completar, meu pai (que certamente o é) me encaminha um e-mail de um sujeito que confessa incessantemente ser “reacionário” – porque, exige ele, não gosta dos sem-terra nem de outros “sem”; não gosta dos congressistas que aprovam a demarcação de áreas indígenas; não gosta de índios que querem deter a construção de usinas hidrelétricas; não gosta da intervenção de esquerdistas estrangeiros nos negócios nacionais; não gosta de governantes semi-analfabetos; não gosta da distribuição de bolsas-família, vale-gás e outros bônus semelhantes.

O que posso dizer em favor do autor desse texto é que seu diagnóstico está correto: ele é de fato reacionário, e escreve como um. Eu gostaria de poder discutir com você, anônimo autor dessa reflexão, mas quando o máximo que você tem a dizer contra determinada postura é este rasíssimo “não gosto”, devo tomá-lo como criança e tratá-lo como tal. Eu, de minha parte, não gosto de peixe nem de reacionários, mas não vejo mal no livre consumo de um ou de outros. Conversaremos quando você tiver algo a dizer.

* * *

O que temem os reacionários, evidentemente, é que o mundo seja finalmente engolido pelo comunismo.

Ai de nós! Embora eu simpatize de coração com os ideais do socialismo, considero-me lúcido o suficiente para ter me tornado finalmente anarquista – entendido como alguém que não espera absolutamente nada de bom de qualquer iniciativa institucional. O governo, senhoras e senhores, é uma ilusão – só estamos aqui eu e você, e cada dilema moral e cada embaraço social cabe a nós dois resolver.

O que governos muito suavemente esquerdistas (como o nosso) tentam fazer é suavizar de modo artificial (isto é, instititucional) as brutais diferenças de distribuição de renda geradas pelo capitalismo tecnológico nu – diferenças que acabam patrocinando todas as formas de marginalidade, tráfico e exclusão.

Por um lado, não vejo como condenar o governo por estar empreendendo algo que deveríamos nós mesmos estar fazendo (e condená-lo por isso é a missão de vida dos reacionarios); por outro, não nutro qualquer ilusão de que uma iniciativa institucional possa ser bem-sucedida nessa tarefa. Se eu, Brabo, não fizer (se você, possivelmente reacionário leitor, não fizer), absolutamente nada será feito. Disso não tenha dúvida.

Afinal de contas, muitos dirão naquele dia: “‘Vossa excelência, Vossa excelência, não fizemos justiça em nome dos impostos que te pagamos? Em teu nome não expulsamos o demônio da fome? Em teu nome não fizemos muitos milagres sociais?’ Então ele lhes dirá claramente: ‘Nunca vos conheci, e certamente não vos convidaria para um coquetel; apartai-vos de mim, vós que acreditastes no sistema’”.

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Estou condenado a repetir Tolkien:

A tarefa mais imprópria para qualquer homem, até mesmo para santos (que seriam de qualquer forma os menos dispostos a assumi-la) é mandar em outros homens. Nem mesmo um em um milhão está capacitado para ela, e os que menos são são os que buscam a oportunidade.

Paulo Brabo, no blog A Bacia das Almas.

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