1.3.09

Teologia deformada

Primeiramente quero deixar claro que, neste breve artigo, não pretendo fazer apologia à Teologia Reformada, a qual, sem dúvida, teve seu momento e relevância – especialmente nos séculos XVI e XVII – mas, com a chegada do século XVIII, se formos no mínimo coerentes, reconheceremos que o Iluminismo demonstrou que essa Teologia já não conseguia mais responder aos questionamentos do homem moderno, diferentemente do que conseguiu fazer com muita eficácia ao homem vitimado pela opressão eclesiástica medieval.

Da mesma forma, não pretendo, em hipótese alguma, afirmar que o Liberalismo Teológico do século XIX trouxe consigo alguma espécie de deformidade. Pelo contrário, conseguiu devido à sua singular erudição, dialogar com as filosofias do século XVIII em diante. Assim como os Pais da Igreja dialogaram com o platonismo e os Escolásticos com a filosofia de Aristóteles, os teólogos liberais dialogaram com os iluministas. Isso é básico e perceptível por qualquer leitor iniciante das relações entre a filosofia e a teologia.

Quando falo de uma Teologia Deformada, estou me referindo diretamente ao Neopentecostalismo e a todas as suas convicções. Abrindo parênteses, é até difícil usar neste caso a palavra “convicções”, pois não existe nenhuma relação entre esta vertente religiosa supostamente evangélica com palavras do tipo: convicção, certeza, idéias, pensamentos, e nem mesmo “teologia”, ainda que seja o Neopentecostalismo um movimento religioso. Para ser neopentecostal, não precisa usar a mente!

Caio Fábio d’Araújo Filho, principal comunicador da história do protestantismo brasileiro, afirmou recentemente em entrevista que, a estupidez neopentecostal chegou a tal ponto, que “os caras estão vendendo o sangue de Jesus dentro de saquinho”.

O medievalista francês Jacques Le Goff, historiador pertencente à terceira geração da Escola dos Annales, informa em sua obra Raízes da Europa Medieval: “O mundo do pecado está, mais do que nunca, dominado pelas agressões do diabo, esse ‘inimigo do gênero humano’ que está solto durante esse período em que atinge uma grande popularidade e desperta temores aumentados. Enquanto o teatro, banido pela igreja na Alta Idade Média, não tinha ainda reaparecido e enquanto a dança é considerada como uma atividade diabólica, um teatro desenfreado se desencadeia na alma dos cristãos sujeitos às tentações e às agressões do diabo e de seus soldados, os demônios. Satanás rege o baile.”

Ao relacionar essas características do cristianismo medieval, torna-se impossível não perceber que o Neopentecostalismo é uma Igreja Católica Medieval Piorada – não melhorada. Para ele, o diabo é o centro das atenções; sem ele, nenhuma desgraça acontece. O ser humano não é mais responsável por seus atos, mas o diabo, causador de todos os males.

Isso para não falar das aberrações doutrinárias que surgem de hora em hora. A cada "revelação", surge uma nova enganação. A criatividade chega a tal extremo, que manipulação, pra eles, é sinônimo de dom divino. O importante é que a fé do povo seja estimulada. E aí, os mais simples são explorados, enganados, roubados, manipulados e iludidos. Não há escrúpulos! A agressão é desenfreada! Deus pode ser vendido dentro de pacotes, campanhas de sete semanas, vigílias. Para esses caras Deus pode ser barganhado por sacrifícios financeiros, bens materiais, móveis e imóveis. Além dessa relação de trocas, defende-se veementemente que tudo o que é normal e saudável é pecado. Danças, apresentações teatrais, filmes e músicas seculares são obras de satã. Para esses supostos profetas, satã não cria, mas deturpa.

É melhor cantar: "Restitui! Eu quero de volta o que é meu" só por causa do rótulo evangélico, do que cantar: "Pai! Afasta de mim este cálice – ou cale-se", só porque o grande Chico, na concepção crente, é um mundano, adúltero e profano. Ainda perguntam a razão pela qual eu não me identifico como evangélico. Tenho vergonha!

Os normais jamais relacionariam o termo evangélico ao Evangelho, mas a esse “negócio religioso”, feito em nome de Deus e do Evangelho, porém, contra ambos. Por isso prefiro dizer: sou um homem que tenta seguir os passos de Jesus, mas não sou evangélico!

É a isso que chamo Teologia Deformada. Essa capacidade de distorcer o texto bíblico, que arrogantemente o torna a base dessas concepções que apresentam um deus que de Senhor, não tem nada! O cristianismo medieval era um jardim de infância se comparado ao neopentecostalismo, que em matéria de manipulação, já atingiu a cátedra máxima. A conclusão é simples: o deus do neopentecostalismo não é o Deus do Evangelho!

Jefferson Ramalho

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Um comentário:

Eliézer disse...

O neopentecostalismo, por esse texto, pode ser agregado ao ról de seitas, como os mórmons, testemunhas de jeová e igreja da unificação (rev. Moon). Se assim for, o debate que travamos não só nesse espaço como também em outros (virtuais ou reais) que tratam desse assunto é inócuo. Bastaria a nós, "autênticos" evangélicos rechaçarmos publicamente os líderes desse tipo de igreja e classificá-los de apóstatas e falsos profetas, excluindo-os do ról de igrejas reconhecidamente evangélicas.
Ou então, nós os "autênticos" evangélicos (na alma e não na carteira) damos uma de Democratas e refundamos a igreja evangélica autêntica com outro nome, lavando as mãos das centenas de milhares de almas que "se entregam a Cristo" nessas igrejas evangélicas só de nome.
Falta definirmos o porque nos degladiamos em torno de uma situação aparentemente simples de resolver com uma nova reforma protestante: se estamos brigando pelo fato de denominarem-se evangélicos usurpando e deformando a história de renúncias e sacrifícios de nossos antepassados na defesa da autêntica fé evangélica ou se estamos nessa à vista da possibilidade desses redimirem-se em algum momento de seus caminhos e retornarem a pureza do evangelho. Se for a primeira motivação, basta um novo e sofrido cisma. Se for o segundo, esse texto não tem sentido em sua conclusão.
Apenas para lembrar, muitos dos que hoje empunham a bandeira do neopentecostalismo militaram junto à nós nas fileiras de igrejas tradicionais e pentecostais. São irmãos que cresceram conosco, foram em acampamento junto com a gente, compartilharam suas vidas conosco e nós a nossa com eles, que em algum momento nossos filhos cresceram juntos e muitos foram colegas de ministério. Sabemos qual o evangelho que críamos antes. Não sabemos se cremos no mesmo hoje. Esse histórico pode ajudar discernir alguma coisa em relação a isso ?

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