20.3.10

Por que o Blues me pega pelo estômago…



Todo retorno às raízes tem seu preço!

No último período de férias que tive mergulhei pesadamente em um dos meus mais fundamentais elementos da formação do meu ouvido musical. O Blues. Neste caso o retorno me fez encarar o Cão de frente!

Uma possível gênese dos Negro-Spirituals e do Blues está na identidade que o povo negro escravizado pelos senhores de terra dos Estados Unidos sentiram com a situação dos retirantes israelenses das histórias que acabavam de re-aprender pela boca dos protestantes. Os Spirituals com seu peso sálmico e professoral e o Blues com seus tons de lamentação e celebração das catarses em meio a assolação.

Uma mitologia do blues em mixolídio nordestino no vídeo:

Cantado sem frescura, este é o cômputo de Robert Johnson. Figura mítica da música mundial que nos deixou apenas “os versos e a voz e vinte e nove canções”, sem as quais a música popular mundial não seria o que é hoje. O paralelo traçado pelo árido nordestino e o delta do Mississipi não é novidade mas encanta a toda vez que dele se fala. A falta de tudo, a filharada a tira-colo, a perspectvia pouca e a sede que se impõe à fome. Este é o cenário da passagem, da andança.

A crueza dos sentimentos é a tônica do blues carregado na antítese de uma terça ora maior, ora menor que nunca é nem bem maior nem bem menor. Aqui os tocadores me entederão! A famosa blue-note tem em si a fagulha do Blues que o ensino formal de música talvez jamais consiga expressar tão bem como uma escuta atenta e imitação diligente o possa. O bend da corda entorta a afinação de uma nota fora de catálogo, tornando macarrônica quase toda a tentativa dos tenores aos quais cabe a interpretação de um Sporting Life da ópera de Gershwing. O bel-canto prima por uma precisão grotesca ao Blues. Neste deve valer o rasgo da voz, a violência da guturalidade… Deve se arriscar perder a voz no lamento. Afinal, como se pode cantar numa terra estranha que te pega, te joga na barriga d’um peixe gigante, te atravessa para além do limite do mundo e te faz pegar algodão até que a lida te seque e mate? Só o grito, o clamor e o lamento pode valer aqui nesta encruzilhada onde se recorre ao capiroto pra se recolher os recursos que talvez darão escape ao Delta do Mississipi:


A suposta civilização dos escravagistas protestantes americanos falava de um Deus que tirou um povo do Egito, mas podia conluiar com a escravatura puritana dos brancos americanos. Os blues-men se atiravam aos cuidados da antítese do Deus cristão que lhes fora apresentado e diziam: Hellhound is on my trail! -ou ainda cantavam do mesmo Robert Johnson o outro clássico Me and the Devil’s Blues. O Blues é o canto do desassossego! E me pega pelo estômago… E como pega! É visceral, verdadeiro e surge de realidades indizíveis.

Se o Blues se atira ao Demo, os Spirituals são a maravilhosa versão negra do canto ao Senhor Deus, trazendo a luta da terra, pela terra; do povo, pelo povo; para Deus e por Deus à tona, com uma musicalidade européia re-inventada na rítmica e na corporalidade do afro-descendente! Mas isso é uma outra história e ficará para outro post.

Jonas Paulo

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