Todo retorno às raízes tem seu preço!
No último período de férias que tive mergulhei pesadamente em um dos meus mais fundamentais elementos da formação do meu ouvido musical. O Blues. Neste caso o retorno me fez encarar o Cão de frente!
Uma possível gênese dos Negro-Spirituals e do Blues está na identidade que o povo negro escravizado pelos senhores de terra dos Estados Unidos sentiram com a situação dos retirantes israelenses das histórias que acabavam de re-aprender pela boca dos protestantes. Os Spirituals com seu peso sálmico e professoral e o Blues com seus tons de lamentação e celebração das catarses em meio a assolação.
Uma mitologia do blues em mixolídio nordestino no vídeo:
Cantado sem frescura, este é o cômputo de Robert Johnson. Figura mítica da música mundial que nos deixou apenas “os versos e a voz e vinte e nove canções”, sem as quais a música popular mundial não seria o que é hoje. O paralelo traçado pelo árido nordestino e o delta do Mississipi não é novidade mas encanta a toda vez que dele se fala. A falta de tudo, a filharada a tira-colo, a perspectvia pouca e a sede que se impõe à fome. Este é o cenário da passagem, da andança.
A crueza dos sentimentos é a tônica do blues carregado na antítese de uma terça ora maior, ora menor que nunca é nem bem maior nem bem menor. Aqui os tocadores me entederão! A famosa blue-note tem em si a fagulha do Blues que o ensino formal de música talvez jamais consiga expressar tão bem como uma escuta atenta e imitação diligente o possa. O bend da corda entorta a afinação de uma nota fora de catálogo, tornando macarrônica quase toda a tentativa dos tenores aos quais cabe a interpretação de um Sporting Life da ópera de Gershwing. O bel-canto prima por uma precisão grotesca ao Blues. Neste deve valer o rasgo da voz, a violência da guturalidade… Deve se arriscar perder a voz no lamento. Afinal, como se pode cantar numa terra estranha que te pega, te joga na barriga d’um peixe gigante, te atravessa para além do limite do mundo e te faz pegar algodão até que a lida te seque e mate? Só o grito, o clamor e o lamento pode valer aqui nesta encruzilhada onde se recorre ao capiroto pra se recolher os recursos que talvez darão escape ao Delta do Mississipi:
A suposta civilização dos escravagistas protestantes americanos falava de um Deus que tirou um povo do Egito, mas podia conluiar com a escravatura puritana dos brancos americanos. Os blues-men se atiravam aos cuidados da antítese do Deus cristão que lhes fora apresentado e diziam: Hellhound is on my trail! -ou ainda cantavam do mesmo Robert Johnson o outro clássico Me and the Devil’s Blues. O Blues é o canto do desassossego! E me pega pelo estômago… E como pega! É visceral, verdadeiro e surge de realidades indizíveis.
Se o Blues se atira ao Demo, os Spirituals são a maravilhosa versão negra do canto ao Senhor Deus, trazendo a luta da terra, pela terra; do povo, pelo povo; para Deus e por Deus à tona, com uma musicalidade européia re-inventada na rítmica e na corporalidade do afro-descendente! Mas isso é uma outra história e ficará para outro post.
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