Foi interessante. Praticamente, na mesma semana em que a mídia internacional estampava o primeiro alerta verdadeiro de que a poluição e a exploração irresponsável dos recursos naturais da Terra estão acelerando o final dos tempos, aqui no Brasil ganhava destaque o episódio do menino João Hélio Fernandes, de 6 anos, assassinado de maneira bárbara num assalto ao carro de sua mãe.
Pouco tempo antes, uma família havia sido queimada por bandidos, presa num automóvel. E mais atrás, um ônibus que vinha de Vitória para o Rio de Janeiro também foi incendiado por criminosos na Avenida Brasil, matando seus passageiros e acabamos a semana com um garoto de 12 anos matando a avó a facadas sem mais nem porque. Sem falar nos assassinatos em massa no Iraque, no Oriente Médio, na África, que já viraram rotina e que já não nos abalam.
Minha mente recebeu toda essa carga de informação de cunho extremamente dramático, fez uma mistura e obteve um resultado que até hoje eu não havia pensado: diante da revelação de um ser humano cada vez mais bestial me pergunto se não seria melhor mesmo que a história se acabasse de uma vez. Vamos pensar: quais são as principais características humanas que vigoram hoje? De um lado, o descompromisso com o coletivo, a ganância, a competitividade exacerbada e irresponsável, o terrorismo, a indiferença, a frieza, o egoísmo...
De outro, um monte de gente bem intencionada tentando amparar, proteger, socorrer, salvar as vítimas da violência ou do descaso da outra ala. Um processo que torna-se cada vez mais necessário e rotineiro. Ora, se essa é a tendência do nosso futuro – o acirramento de uma circunstância polarizada entre o Bem e o Mal, sem progresso aparente, uma verdadeira prática tediosa do mito de Sísifo – não vejo muito sentido em continuarmos existindo. Estamos enxugando gelo. Qual, enfim, é o sentido da vida hoje? Dirão os religiosos que tudo isto estava escrito, que caminhamos céleres para o Juízo Final, como anunciado...
Se estava escrito, do que estivemos ocupados até hoje? De cumprir as Escrituras, como personagens de um roteiro? Um roteiro que previa bestas, néscios, ímpios, justos... Em que uns perseguiriam os outros, torturariam, esfolariam, matariam... Certo, mas e daí? Mais tediosa do que esse cumprimento fiel das profecias só mesmo a teoria do caos... Não é formidável? Ou estamos à mercê do anunciado ou das casualidades da física. Quem é mais assassino?
Os delinqüentes que assassinaram o menino Hélio ou o tsunami? Espera! Uns são racionais; o outro, não. Quem disse? Quem disse que são racionais os delinqüentes assassinos? Onde há razão neles? É o Senhor racional? E está o Senhor em tudo? Então, está no tsunami. Baixemos a idade mínima penal, sim.
Assim, enterramos num presídio de segurança máxima os assassinos do pequeno Hélio. E acabou-se o problema? Não. Fica a questão: o que fazermos com velhos como George W. Bush? A Nigéria está sentada sobre petróleo. Mas seu povo passa fome. E cinco ou seis famílias de assassinos se locupletam de toda a riqueza do país.
Dizem os palestinos que Ariel Sharon é o maior assassino da história. Para os israelenses, talvez um dos maiores estrategistas militares que o país já teve. Ambos devem estar certos. Milhares de palestinos mortos atestam sua responsabilidade. Milhares de israelenses mortos justificam sua eficiência. Muitas mortes depois, o Senhor tirou Sharon de combate.
Terá poupado, com isso, alguns milhares de palestinos. Quantos iraquianos estarão sendo poupados com a morte de Saddam Hussein? E quantos morreram para que ele morresse? Quais, enfim, são as medidas da contabilidade do Senhor? Quais os limites que impõe ao homem? Hitler, Stalin, Franco, Pinochet, ditadores africanos, Bush, por um lado; Madre Tereza de Calcutá, Médicos Sem Fronteiras, Greenpeace, por outro... Que equilíbrio (ou desequilíbrio) é esse?
Enfim, por que vigoram uns e outros? Por que vicejam Bem e Mal com a mesma robustez? O melhor negócio do mundo é o tráfico. Qualquer tráfico, de armas, de pessoas, de órgãos, de drogas, de falsificações, de influências... César Maia apóia as milícias que ocupam os morros, expulsam os traficantes e assumem o tráfico.
Está certo? Está errado? Não sei. Quem sabe... O que é melhor? Comprar cocaína de bandidos ou de gente séria? Usar o corpo de uma prostituta de bordel ou alugar a neta à uma velha senhora respeitável? Eu não sei, eu não sei onde o Senhor quer chegar.
Os banqueiros acreditam em Deus? Talvez. E os gerentes de banco, acreditam? Então, por que, em nome de Deus, eles não dizem aos patrões: há algo de errado! Mais de 18 bilhões de lucro, patrão! Há algo de errado! O que diriam os patrões banqueiros, passada sua perplexidade inicial? Quiçá dissessem: eu não sei, pode ser... a culpa não é minha, eu só faço o meu trabalho... Você não pode me culpar de ter lucrado mais de 18 bilhões.
Mas isso, enfim, não está em questão. A pauta agora é redefinir a qualidade da culpa de quem tem menos de 18, não mais.
A propósito, me ocorre a lembrança de uma fábula de Esopo:"Uma parede atravessada brutalmente por uma clavilha gritou: 'por que estás me furando, não te fiz nada!' A clavilha respondeu: 'não sou eu, é alguém que me está batendo violentamente por trás’."
Stalimir Vieira, no jornal Propaganda & Marketing
2.3.07
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