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fosse apenas o desespero da
ocasião da
descarga de palavreado
perguntando se não será melhor abortar que ser estéril
as horas tão pesadas depois de te ires embora
começarão sempre a arrastar-se cedo de mais
as garras agarradas às cegas à cama da fome
trazendo à tona os ossos os velhos amores
órbitas vazias cheias em tempos de olhos como os teus
sempre todas perguntando se será melhor cedo de mais do que nunca
com a fome negra a manchar-lhes as caras
a dizer outra vez nove dias sem nunca flutuar o amado
nem nove meses
nem nove vidas
2
a dizer outra vez
se não me ensinares eu não aprendo
a dizer outra vez que há uma última vez
mesmo para as últimas vezes
últimas vezes em que se implora
últimas vezes em que se ama
em que se sabe e não se sabe em que se finge
uma última vez mesmo para as últimas vezes em que se diz
se não me amares eu não serei amado
se eu não te amar eu não amarei
palavras rançosas a resolver outra vez no coração
amor amor amor pancada de velha batedeira
pilando o sono inalterável
das palavras
aterrorizado outra vez
de não amar
de amar e não seres tu
de ser amado e não ser por ti
de saber e não saber e fingir
e fingir
eu e todos os outros que te hão-de amar
se te amarem
3
a não ser que te amem
Samuel Beckett, em As escadas não têm degraus.
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2 comentários:
Que lindo...
Lendo de novo, eu penso que isso é lindo, de novo. O estilo é partecido com Paul Celan e Jacques Brél. É visceral. Clarice Lispector, na prosa, escreve assim, com sangue, com alma...
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