Ele se levanta e toma um copo de café preto como a sua pele.
Elicí sim é criança cedo, e a precocidade na infância interfere.
Tem a vida tão corrida.
Trabalha seis dias por semana.
Entrega roupas de pessoas bacanas.
No final do dia paga as bebidas que o pai toma.
Se senta sempre sob a copa da grande árvore após o almoço.
Elicí ainda hoje eu ouço.
O galo já cantou e o relógio despertou.
Levanta e vai encarar a mais pura realidade.
Naquela manhã a mãe lhe disse:“Filho, vai com Deus”.
Ele voltou, pegou sua mão e a beijou, pediu bênção e partiu.
Entrou no ônibus, encarou o cobrador, disse bom dia, sem resposta.
Desceu no paraíso (o paraíso dos ricos),
Pegou o metrô, desceu na Marechal, subiu a Angélica correndo.
A menina olhou, mas ele não podia parar.
Chegou um pouco atrasado, quando a patroa lhe olhava se sentia escravo.
De manhã havia muita entrega, e era sempre assim.
Quanto melhor para a patroa, pior para Elicí.
Sempre agradeceu pelo pagamento.
Entregava em casa de bacana e de prostituta.
Quando tinha entrega na casa de madame, algumas atendiam seminuas.
Perua exibicionista que lhe dava gorjeta e sorriso falso.
Um dia, um executivo parou o carro, lhe ofereceu dinheiro, Elicí mostrou o dedo.
Era meio-dia e a fome estava chegando.
Almoçou rapidamente em vinte minutos, tinha quarenta para descansar.
Na grande árvore, Elicí foi se sentar.
Elicí e o helicóptero levanta vôo.
Fecha os olhos, e começa a viajar.
Talvez um tratamento para o pai, uma bicicleta para o irmão.
Talvez tirar a mãe do sufoco, melhorar a casa.
Aquele beijo quente, daquela menina linda, e até uma moto.
Elicí com os olhos fechados não vê o pesadelo dobrar a esquina.
Um carro importado, vermelho, um casal bem-nascido se tocando.
Tanto afeto, tanta bolinação que esquece a direção.
Elicí ouve as folhas da árvore e o grito estridente dos pneus no asfalto.
Ouve o estrondo.
A notícia vai correr no jornal.
“Menino negro morre prensando ao tronco.”
A história se repete.
O resgate é acionado, socorro de gente rica é mais rápido e vem pelo alto.
O helicóptero na pista, os curiosos aplaudem.
Médicos, bombeiros, polícia e até voluntário.
Socorreram o casal endinheirado.
O helicóptero decola, e agora já era.
O menino tá morto mesmo, e morto espera.
Elicí e o helicóptero levanta vôo.
Elicí ainda hoje eu ouço.
Ferréz/Edvaldo Quirino
Ferréz é blogueiro e autor de 5 livros. Edvaldo Quirino é compositor e vocalista do grupo A Tropa.
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