Roberto Carlos chegou aonde chegou porque se formou cantor e compositor numa sociedade que, mesmo amordaçada por instrumentos ditatoriais, jamais lhe negou acolhida na mídia e em muitos outros lugares onde seu talento pôde vicejar. Politicamente insosso, ao contrário de figuras de seu porte, como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre outros, passou todos os anos de chumbo sem dizer um único "não" aos atentados contra as liberdades, por mais fraquinho e inaudível que fosse.
Quando as liberdades foram recuperadas sem sua ajuda, exalou que Debaixo dos caracóis dos teus cabelos era velada solidariedade a Caetano Veloso, que amargava o exílio em Londres. Era? Não dissesse! Pois disse fora de hora, quando nada mais poderia comprometê-lo. Soou oportunista. E como fez falta sua voz quando o Brasil revelado por Batismo de sangue arrostava sofrimentos dentro e fora dos cárceres, no exílio ou na pátria.
O livro Os dois corpos do rei, do judeu-alemão Ernst Kantarowicz, referência indispensável no estudo das idéias políticas medievais, examina com ousadia a arrogância dos reis que se consideravam acima de qualquer suspeita, de qualquer poder, principalmente acima do Parlamento, como foi o caso do rei inglês Carlos I, que entretanto se deu mal, pois acabou não apenas deposto, mas executado no cadafalso.
São desconcertantes as voltas que o mundo dá. Adolf Hitler gostava dos livros de Kantarowicz. Hermann Goering também, pois chegou a comprar um exemplar de Kaiser Friedrich der Zweite (publicado originalmente em Berlim, em 1927) para dar de presente a ninguém menos do que Benito Mussolini.
Mas é em Os dois corpos do rei que encontramos estes versos atribuídos a Carlos I:
"Com meu próprio poder, minha majestade feriram;/ Em nome do Rei, o próprio rei destronaram./ Eis como o pó destrói o diamante".
Roberto Carlos levou a sério demais sua majestade simbólica e se julgou acima de qualquer mortal, não podendo sequer ser biografado. E, pior do que isso, deu, com a força que o imbróglio tem, uma ajuda sinistra a outras forças que impedem que biografias sejam feitas.
Deonísio da Silva, no Observatório da Imprensa.
4.5.07
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