2.6.07

Sem autocompadecimento

Época - O senhor já disse que se fossem queimar todos os seus livros e só pudesse escolher um, escolheria "A Pedra do Reino". Por que?
Ariano Suassuna - Porque foi nele que eu expressei de modo mais completo todo o universo interior que se tumultua dentro de mim. As peças são muito baseadas em diálogos. No romance, você pode trazer os delírios, os fantasmas dos personagens, ir e voltar no tempo.


Época - O senhor gostou das adaptações já feitas de sua obra para a TV?
Ariano - Começaram a me procurar na década de 60 com propostas de levar peças e romances para a TV mas eu nunca quis, porque queriam que eu me adaptasse à TV e eu achava que a TV é que tinha que se adaptar a mim. Quando encontrei o Luiz Fernando (Carvalho, diretor), a identificação foi perfeita. Se eu tivesse deixado antes, eu teria vendido a alma e não ganhado nada para o corpo.

Época - Falando em TV, o que o senhor assiste hoje na televisão?
Ariano - Por incrível que pareça eu gosto de ver novela. São muito melhores do que esses enlatados americanos, dão de mil. Mas não é de toda novela que eu gosto, não. Também temos novelas ruins. A última que gostei muito foi renascer.

Época - O senhor já assistiu ao Big Brother?
Ariano - Não gosto. Não perco meu tempo, fico com muita pena porque eu conheço o Pedro Bial. É um desperdício usarem o Bial para fazer aquilo.

Época - E o "Arriando Suassunga", personagem do Casseta, o senhor já viu?
Ariano - Vi uma vez mas não achei engraçado. Meus netos me disseram que eu dei azar, porque os outros foram muito bons. Acho que ele ficou muito parecido comigo, com aquelas sobrancelhas brancas enormes. Fico feliz porque para mim é uma homenagem um escritor aparecer num programa de humor visto por tanta gente. Vai ver não tem outro escritor tão caricato, né (risos).

Época - E o que o senhor anda lendo?
Ariano - Estou relendo muitas coisas, como o Conde de Monte Cristo, que muita gente considera subliteratura mas que eu tenho como um dos maiores clássicos já escritos; reli Scaramouche, reli Don Quixote. Também li e reli dezenas de vezes a obra completa de Dostoievski. Eu tenho uma obsessão por livros e não tenho mais tanto tempo para me arriscar. O último romance novo que li foi "2 irmãos", de Milton Hatoum, uma releitura de Caim e Abel, muito boa mesmo. Mas tenho preferido reler o que mais gostei durante a vida.

Época - O que o senhor acha de não termos há meses um único livro brasileiro nas listas de mais vendidos em ficção?
Ariano - Estão comprometendo o público brasileiro com livros de segunda ordem. Se houvesse uma ajuda do poder público e da mídia para divulgar nossos autores, o povo leria. Já tivemos grandes autores brasileiros que foram muito lidos. Eu nem li Harry Potter, mas não gostei. As crianças deveriam estar lendo Monteiro Lobato. Eu ia bem na escola e ganhei uma coleção completa de Monteiro Lobato da minha mãe. Aquilo me influenciou para sempre. Como Lobato, eu também usei personagens para dar vazão a um lado irreverente, o João Grilo. Sempre que eu vejo Emília eu me lembro do João Grilo. Tem que editar livros nossos, publicar, divulgar. Um país não vive quando a juventude só tem acesso a valores de outros povos.

Época - Mas as editoras acham que o povo não compra...
Ariano - Eu tinha um amigo, o Capiba, que dizia que as pessoas diziam que cachorro só gosta de osso porque só dão osso ao cachorro. Dá filé para o cachorro para você ver. Se só dão osso, como eles vão gostar de filé? Não estão deixando a juventude brasileira ter acesso ao filé.

Época - O senhor fez campanha pela reeleição de Lula. O mensalão não o desanimou?
Ariano - Não sou político, mas sempre fui de esquerda. Tenho que ajudar aquele que eu acho que pode ajudar o Brasil. O Lula tem a sabedoria popular para enfrentar as dificuldades. O Lula tem uma coisa de Sancho Pança, de Cervantes.

Época - Mas Sancho não era um ingênuo bobalhão?
Ariano - Tanto Lula quanto Sancho precisam ser reavaliados. Acho que no futuro, quando fizerem um balanço de tudo, eles serão.

Época - Por falar em balanço, tem gente que aproveita aniversário para fazer um balanço da vida até ali. Qual é o seu?
Ariano - Não tem muita diferença entre fazer 70 e 80 anos, tem vantagens e desvantagens. Se por um lado você tem mais experiência e não tem mais aquela urgência, também está mais perto da morte. Eu chego aos 80 bem humorado e animoso. A vida me deu muitos golpes, mas eu segui de cabeça erguida. Tem um causo que eu conto de dois artistas de um artista de circo que ia fazer papel de santo. O dono do circo disse a ele que o leão correria atrás dele e ele cairia. O leão ia chegar perto dele, cheirar e perceber que ele era um santo e que por isso não ia matá-lo. O dono pergunta ao artista: "O Senhor entendeu?". O artista responde: "Entender, eu entendi. Só não sei se o leão entendeu". No Nordeste, a gente chama a morte de Caetana. Eu não gosto dela não. Eu não pretendo morrer. Toda morte tem um componente de suicídio e eu não me rendo não. Essa é minha teoria. É aquela história do leão. Não sei se dona Caetana vai entender também.

trechos da entrevista de Ariano Suassuana à revista Época.

Um comentário:

◈lunaluna◈ disse...

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