Avassalador, disse Antonio Callado, ao entrarmos na Feira de Livros de Frankfurt em 1982. Os gigantescos pavilhões e as estantes com milhões de livros nos esmagaram e provocaram a exclamação do autor de Kuarup. Avassalador, exclamei, ao entrar na nova Livraria Cultura, na noite histórica do dia 21 de maio, quando Pedro Herz e seus filhos Sérgio e Fábio inauguraram o novo espaço, o maior de São Paulo, do Brasil.
Imensa e aconchegante é a única definição que me vem. Inteiramente lotada, milhares de pessoas falando, e tomando prosecco, e, no entanto, o silêncio nos envolvia, os ruídos absorvidos e dissolvidos. Fui descendo, porque entramos pelo alto, e quando cheguei no meio estava 'tomado', pensando: como entender? Um país que não lê. Um país em que as pessoas não compram livros por causa dos preços. E nesse país, em menos de seis meses, três livrarias são abertas na mesma região: a Cultura, a da Vila e a Teixeira, enquanto outras empresas, como a Fnac, anunciam expansão. Qual é o mistério? Visão, investimento, coragem, correr riscos, se adaptar ao mundo de hoje?
Pedro Herz surge como figura emblemática. A livraria herdada de dona Eva e do corintiano roxo Kurt tem crescido. Até atingir esse ponto de segunda-feira em que nos sentimos orgulhosos, hipnotizados e felizes. Não me venham falar da Ateneo, de Buenos Aires. Acabamos de passar a frente. Um passeio pela Cultura da Paulista tem de entrar nos roteiros turísticos. Dá prazer olhar e compulsar livros, descobrir novidades do mundo.
Estive ali no sábado passado. Centenas de pessoas circulavam, como se a festa tivesse continuado. Encontrar mesa livre no V. o café que o Viena abriu (experimentem o Nespresso, uma novidade) era impossível. Vi pessoas sós em mesa para quatro. Um dia, brasileiros aprenderão a compartilhar.
Quem contava nesta cidade estava lá, do governador ao prefeito aos secretários municipais, editores, escritores, professores, do Celso Lafer ao José Mindlin, sem esquecer os infalíveis penetras - há anos conhecemos aquela meia dúzia sempre presente na Cultura, fazem parte, dão cor local.
Jorge Schwartz, o professor, sorria: 'Além de tudo, o Pedro nos salvou, o cinema esteve ameaçado de cair nas mãos de uma da igreja Universal. Virou templo, que templo!' Agora, quem sabe os encontros dos sábados sejam retomados, não mais nas mesinhas da porta, mas dentro, no café. E voltem os chopinhos, uísques e coxinhas com o Yves Gandra Martins, Mario Chamie, Lygia Fagundes Telles, Ana Maria Martins, Antonio De Franceschi, José Nêumanne, Mauro Chaves, Ivan Ângelo, Joyce Cavalcanti, Gilberto Mansur e essa geração do Marçal Aquino, Luiz Ruffato, Virginia Stigger, Daniel Galera, André Santa.
Quanto a Marcos Rey, o escultor Calabrone e o Murilo Felisberto - com seu eterno jornal e um livro debaixo do braço - não virão mais, se foram, mas fizeram parte dos sábados na Cultura, e tiveram, como todos, seus nomes no fichário escolar onde estavam as contas dos livros que comprávamos fiado.
A noite de 21 de maio, terminou com um toque araraquarense. Indo embora fui parado por um jovem: 'Minha mãe foi tua amiga, vocês estudaram juntos, ela é a Terezinha Marasca.' Na Araraquara dos anos 50 Terezinha foi um mito. Alta, bonita, sensual, um corpo de estrela italiana de época, era célebre pelo bom humor, pelo tom despachado, pela irreverência e alto-astral. Em pleno futuro, o passado disse um alô.
Ignácio de Loyola Brandão, em texto publicado em O Estado de S.Paulo.
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