Meu primeiro emprego, acho que já contei aqui, foi num jornal. E, como creio que também já contei, fiz de tudo em redação - até escrever horóscopo sem conhecer nem os signos direito, Deus tenha piedade de minha alma.
Não me saí muito mal na maior parte das funções que ocupei, mas sempre fui péssimo repórter. Até hoje tenho inveja dos repórteres de verdade e uma das razões por que gosto de ir às Copas do Mundo é apreciar a moçada competente trabalhando.
Por causa disso, hoje é um dia emocionante para mim, pois o destino bondoso me escolheu para dar uma notícia sensacional, com absoluta exclusividade. Tenho certeza de que Ariovaldo Matos, meu primeiro chefe de reportagem, está sorrindo, no céu em que não acreditava, mas onde se encontra já há alguns anos.
Como bom repórter, não posso revelar minhas fontes, mas vocês vão ver como tudo se encaixa. Se tenho provas? Não, não tenho, mas aqui, pelo que invariavelmente vejo e ouço, ninguém tem provas por mais que tenha provas, de maneira que não destôo da condição geral.
Esclareço que, sem falsa modéstia, já vinha pensando nisso desde o dia em que me fizeram assistir a um clássico do cinema americano contemporâneo, intitulado qualquer coisa como 'Os homens de preto'. Agora, com as revelações recebidas, vejo que não fantasiava, que não sou de todo destituído de faro de repórter.
E, também como bom repórter, abandono o lero-lero e vou direto à notícia. É o seguinte: fomos invadidos por alienígenas e hoje estamos sob o inteiro controle deles, que controlam todas as esferas de atividade no Brasil. Sei que é difícil de acreditar, mas é a puríssima verdade.
Comecemos do começo. Numa galáxia próxima da nossa em termos astronômicos, a pouco citada galáxia Larapéia, encontra-se, como sabem os que se interessam por astronomia, a constelação de Escróquion, conhecida desde os sumérios sob o nome de Gangs-I-Bandi-dosh e rebatizada pelos gregos.
Em Escróquion, há incontáveis sistemas solares, entre os quais avulta o que se forma em torno da estrela Gatunóia e que conta com pelo menos um planeta bastante semelhante, praticamente igual ao nosso, o planeta Ladrônio.
Acontece que os outros planetas atingiram níveis de civilização e espiritualidade incompatíveis com os vigentes em Ladrônio e a federação interplanetária que governa o sistema resolveu corrigir as coisas, deportando os habitantes do planeta delinqüente para outros em situação semelhante.
Apesar de sua avançadíssima tecnologia, a federação teve grande dificuldade em encontrar planetas à altura de Ladrônio. Quando descobriram a Terra, houve até problemas, pois os relatórios foram duramente questionados, já que muitos cientistas não acreditavam nos níveis de ladroagem medidos aqui deste lado do nosso planeta.
Mas acabaram acreditando e confirmando o que já tinha sido dito antes: em se plantando, aqui tudo dá, principalmente ladrão. Os alienígenas são muito parecidos com os humanos e nem mais tomam certos cuidados, antes considerados indispensáveis.
Por exemplo, antigamente adotavam nomes usuais entre nós, mas logo perceberam que era uma preocupação desnecessária, pois todos aceitaram como terráqueos seres chamados Isomenédio Korengi, Beludúbio, Abideleu, Barunin, Cleosônio, Gaudenílio e assim por diante.
E quanto mais os ETs se estabelecerem neste que é para eles o hábitat ideal, mais aparecerão desses nomes, até porque os alienígenas se misturam facilmente com os humanos, produzindo uma descendência que, por alguma misteriosa razão genética, puxa quase que exclusivamente ao lado ladrônico.
Portanto, eu não tinha razão, quando dizia, como muita gente também diz hoje em dia, que os políticos não são marcianos, mas gente como nós, brasileiros de formação semelhante à nossa. A verdade é bem outra e muito mais alarmante.
Fomos ocupados, há cada vez mais ladrônicos puros e ladrodescentes entre nós, não tem mais jeito. Furtar, engabelar, tapear e meter a mão no que se puder é a norma a que teremos de nos acostumar. Os ladrônicos confessos, que cada dia mais abundam e alguns conseguem que deles se diga apenas praticarem abusos de conduta, como quer o dr. Tarso Genro, têm frouxos de riso, quando se fala em 'limpar' alguma área de atividade.
Não se limpa nada. Não é preciso falar em grande escala. Em escala comparativamente minúscula, é a mesma coisa. Suponhamos um hospital público, do tipo Nosocômio Boa Morte. Sai dinheiro do governo e o hospital continua a matar 16 em cada dez pacientes de algo mais grave que unha encravada.
Tudo caindo aos pedaços, médicos, funcionários e pacientes a pão e água e assim por diante. Pois alguém tente 'limpar'. Pode ser até que, dedicando tempo integral à tarefa durante alguns anos, consiga. Mas tem a máfia do material hospitalar, a máfia das funerárias, a máfia dos remédios e máfia de tantas coisas que só um profissional pode enumerar.
Não limpa nada aí e quem insistir talvez venha a ter, ele próprio, um problema de saúde, digamos, exogenamente induzido, tal como um tiro nas costas, porque os ladrônios, se pressionados em excesso, ficam nervosos e matam. Sobrevivência é básico, já disse alguém importante nesta república meliante.
Não há razão, contudo, para pessimismo. Antes, confirmando sua vocação para a felicidade, o Brasil pode estar legando ao mundo uma nova utopia. Não estamos faltos de utopias, não se queixa todo mundo de um futuro sem sonhos? Calma, bem pode ser que estejamos fundando a primeira sociedade ladronista da História e que, com todo mundo roubando tudo de todo mundo, reinem finalmente a paz e a harmonia. Quem sabe se não é esse o plano?
João Ubaldo Ribeiro, escritor
9.6.07
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Um comentário:
Quer saber? Eu não gosto do João Ubaldo Ribeiro, não. Uma vez ou outra ele escreve algo bom.
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