No começo, fiquei assustado. Mas talvez não seja especialmente horrível a notícia que li na Folha deste domingo, sobre a mais nova profissão do mundo.
Trata-se do "personal amigo", e o nome, por si só, já é um poema. Amigos, por definição, sempre serão pessoais; o "personal amigo" inverte o sentido da expressão.
Você paga uma taxa -que vai de R$ 50 a R$ 300, imagino que de acordo com a qualidade do profissional- e fica com uma pessoa para conversar, ir com você ao shopping ou tomar uma água de coco durante sua caminhada. Nada de sexo: o "personal amigo" só faz companhia a seus clientes, nada mais do que isso.
O fenômeno é incipiente, e nada garante que não venha a sofrer grandes mutações. Um motorista particular com diploma universitário, um "personal trainer" mais falante e eclético, um enfermeiro sem uniforme branco, um guarda-costas mirrado poderiam exercer, quem sabe, a mesma função. De resto, há pouquíssimos profissionais em atividade, pelo que diz a reportagem.
Seria fácil pôr as mãos na cabeça e ver nessa novidade mais um sintoma da extrema mercantilização da vida cotidiana dentro dos quadros do capitalismo avançado. Creio que não se trata disso. Ninguém confundiria o "personal amigo" com um amigo de verdade.
E, se cliente e profissional vierem de fato a se tornar amigos, seria como nos casos, não de todo incomuns, em que, entre a prostituta e seu freguês, surge algum tipo de ligação sentimental. Namoro, amizade, relacionamento? Acho bom que a extrema variação das emoções humanas não fique limitada a duas ou três palavras. De resto, ninguém é amigo do mesmo jeito com todo mundo. Minha amizade com A tem características bem diversas da que tenho com B.
É possível, também, que eu dedique mais confiança a um "personal amigo" do que a um amigo normal. Como saber se o sujeito que contratei não irá me seqüestrar?
Será que não é isso o que os clientes, em segredo, procuram? Penso em várias hipóteses. O cliente pode estar à procura de um desconhecido em quem confiar: eis uma novidade, em cidades violentas, onde aproximar-se de alguém para pedir uma informação qualquer já pode suscitar reações de pânico.
Ou talvez o contrário: o medo de assalto e de seqüestro é tão grande que um dos modos de exorcizá-lo seria justamente o de chegar mais perto dos limites do perigo, buscando na internet um acompanhante. O mesmo valeria para eventuais desejos homoeróticos: contrata-se um serviço que teria tudo para parecer sexual, mas não é. Paga-se uma taxa para negar o desejo que talvez se sinta.
Claro que, com tudo isso, minimizo o papel, obviamente decisivo, da solidão pura e simples. E da vergonha da solidão. Há ocasiões, de fato, em que "não pega bem" estar sozinho. Conheço quem deteste ir ao cinema desacompanhado, por exemplo.
Um outro fator pode estar em jogo nessa "personalização" do cotidiano. O "personal trainer", o "coach" que prepara executivos para palestras ou depoimentos numa CPI não estão aí apenas para anestesiar a solidão individual. Menos que companhia, oferecem ao indivíduo uma dose de atenções, de cuidados. As esposas de antigamente arrumavam a gola do paletó de seus maridos. Hoje, o corpo, a fala, a expressão do rosto são outros paletós de que é preciso cuidar também.
Recebi pela internet o anúncio de uma psicoterapeuta que acompanha seus clientes nos locais em que se sentem inseguros. Analisa, por exemplo, o comportamento de uma jovem no barzinho que ela freqüenta, para entender melhor por que razão, sendo bonita, nunca se torna alvo de cantadas.
Mandaram-me também a notícia de que um site de livros eletrônicos entrega pelo correio uma fita adesiva para grudar no computador. A fita tem cheiro de livro real.
Eis aí, quem sabe, o segredo do "personal-qualquer coisa". Ficamos muito tempo navegando no mundo virtual. Há o medo e a necessidade de entrar em contato físico com a realidade. Contrata-se um "personal amigo": pode ser um amigo falso, mas é uma pessoa real.
A solidão pode ser driblada nas conversas pela internet. Mas não é apenas distração e conversa o que se procura: há, como nos adesivos com cheiro de livro verdadeiro, necessidade de coisa mais profunda, quem sabe até se religiosa; penso em termos como presença, calor, vida e comunhão.
Marcelo Coelho, na Folha de S.Paulo.
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colaboração: Ana Claudia Braun Endo
31.8.07
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2 comentários:
Muito bom, o texto.
Só uma coisa: Eu gosto, amo ir ao cine sozinha, assim eu me concentro totalmente no filme. Mas, brincando um pouco, que hoje é sexta (!), quero declarar que amigos eu tenho, graças a Deus. Mas estou precisando de outro profissional; será que ainda não inventaram o "personal marido"? É jogar no Google, gente! Vamos ver os resultados!
Caramba anônimo, pior que...
Lembrei de uma reportagem em uma cidadezinha pequena que passou no fantástico em que o médico receitava sexo pra melhorar o estresse.
As mulheres saiam de lá chocadas.
Uma era até viuva de idade.O que fazer?
Se oficializassem esse personal marido, reconhecido pelo ministério da saúde é claro, não falariam tão mal da mulherada.
Tudo pelo bem da saúde.
Eu tbm estou brincando viu, hoje é sexta-feira dia das besteiras.
Até que não seria...
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