20.8.07

Enfarta Madalena

Eu tenho pelo menos três admiradores que me consideram uma das criaturas mais gentis e educadas do mundo. É obra de um engano, mas jamais tive coragem de explicar. Acontece que um cliente pediu que eu recebesse um novo representante da sua empresa no Nordeste e apresentasse tudo o que tinha sido feito em propaganda para seu produto.

A idéia era que nós participássemos do esforço de colocar rapidamente o recém-chegado na cultura da organização. Agendamos uma reunião na agência e passamos algum tempo preparando uma apresentação no capricho. Além do power point e do rolo de filmes, cuidamos para que não faltassem as mordomias tipo sala vip: sucos frescos, café, refrigerantes e até chá com biscoitinhos finos. E o acaso preparou a esculhambação.

Começou dentro de casa, desfalcando os participantes do primeiro time, chamados cada um por um motivo diferente para outros compromissos inadiáveis. Sobramos três: dois estagiários e eu. Em seguida o próprio cliente teve um problema sério e não pôde comparecer. Assim, a megareunião ficou reduzida a nós três da agência e o pessoal do tal representante, cujo nome eu não tive o cuidado de anotar. Justo na hora marcada aconteceu um enorme problema numa filmagem e eu tive que ajudar a resolver.

Vai daí, no momento mais dramático, chega o tal representante e sua equipe – três pessoas. Minha secretária jura que disse claramente o nome da empresa, mas eu não me lembro. Só sei que mandei todo mundo ser recebido com a maior delicadeza, pedi para que oferecessem biscoitinhos e bebidinhas e explicassem que eu já estava chegando. E o tempo foi passando. Eu numa sala e os visitantes na outra, me esperando.

Várias vezes saí da minha reunião e fui até a outra sala pedir paciência para os tais representantes do cliente, explicando da maneira mais dramática e sincera os problemas que estavam me fazendo atrasar. Achei a turminha encantada demais com meus cuidados, mas não prestei muita atenção, pensando em outras coisas.

Assim se passou quase uma hora e comecei a me desesperar, aumentando a freqüência das minhas corridas até a sala de reunião, e a cada vez minhas desculpas se tornavam mais humildes. Até que, correndo todos os riscos possíveis, transferi a discussão do filme para o dia seguinte e fui correndo cumprir o compromisso. Cheguei simpático, risonho, delicado, diante de três cidadãos que já tinham entornado jarras de sucos e bules de café, devidamente acompanhados dos petit fours da delicatessen mais cara do bairro. Foi daí que eu descobri duas coisas.

A primeira é que o tal representante do cliente tinha suspendido a visita. A segunda é que os três cidadãos eram corretores de seguro de saúde que queriam me vender um plano. Sem coragem de contar sobre o engano, pois ninguém merece uma hora de chá de cadeira, ouvi a longa explicação sobre as vantagens do tal plano de saúde sobre os outros. Prometi pensar no assunto, e quando eles foram embora fizeram absoluta questão de deixar claro que jamais em toda a vida deles tinham sido recebidos com tanta gentileza.

Só não entenderam a minha pergunta sobre o que aconteceria se eu aderisse ao plano naquele momento e tivesse um enfarte fulminante na mesma hora.
.
Lula Vieira, no jornal Propaganda & Marketing.

Nenhum comentário:

Blog Widget by LinkWithin