Orson Welles diria que o escorpião que mata a rã que o conduz pelo rio e morre afogado junto com a sua vítima é também uma vítima do próprio caráter. Estilo está acima da vontade das pessoas, é mais forte que elas próprias.
Roniquito foi atropelado diante do Antonio's. Ele não viu o táxi (logo um prosaico Volkswagen "Zé do Caixão") nem o português de camisa ensebada viu o Roniquito. A pancada o jogou longe, numa corrida ridícula.
A varanda do Antonio's estava lotada e todos se precipitaram para o atropelado, que aterrissou na calçada em frente ao bar, jogado como um trapo velho.
Diante das mãos pressurosas Roniquito afastou todo mundo, levantou-se e reclamou: "Porra, que zona é essa? Nunca viram o Super-Homem?" E caiu duro. Só voltou a si algum tempo depois. Mas tinha marcado sua presença, gravado seu estilo. Que continua na lembrança de todos, muito tempo depois da sua morte. Carlos Pedrosa, amigo querido e brilhante redator, estava num restaurante outro dia desses. Teve um treco.
O coração pregou-lhe uma peça e resolveu chamar a atenção, batendo uma falhando outra e fazendo o Pedrosa apagar à mesa, como se bêbado estivesse. Logo ele, um cidadão relativamente bem-comportado. Foi um deus-nos-acuda. Chamaram um serviço de emergência, que chegou em minutos com o aparato bélico de sempre. Sirene ligada, maca, oxigênio, equipe completa, departamento de crédito e tudo.
A eficiência cara oferecida aos enfartados ricos. O restaurante parou para observar a zona. Deitaram o Pedrosa no chão, fizeram massagem cardíaca, desfibrilaram, um perrengue. Atraídas pelo alarido, mais pessoas engrossaram a multidão.
Veio gente da cozinha, transeuntes, fregueses do bar vizinho. A ambulância deu ré e abriu as portas para receber Pedrosa, a essa altura já deitado na maca, com soro, máscara de oxigênio e coberto por um lençol. O cortejo foi saindo porta afora, quando o doente mandou parar. Todo mundo se precipitou: o que Pedrosa quer dizer? Ele faz um gesto para o maître, pediu para ele se aproximar, tira a máscara e diz: "Nunca mais volto neste restaurante!". E sai sorrindo.
A sacanagem com o velho amigo estava feita. Podia até morrer em paz. O que não aconteceu, pois a sua vontade de viver e continuar criando filha e anúncios falou mais forte e Deus vai ter que ter um pouco mais de paciência para tê-lo na turminha mais próxima. Dias depois sai do hospital e volta ao restaurante, até como prova de que tudo não tinha passado de um susto. Um susto no restaurante, claro, pois a história correu o Rio de Janeiro.
Pedrosa, comandando uma mesa, diz que fez um check-up que lhe custou uma fortuna. Segundo ele, foi o dinheiro mais mal empregado de sua vida. "Gastei 5 mil reais para o médico dizer que eu preciso parar de fumar. Minha empregada me diz a mesma coisa todo dia, de graça. E ainda faz um feijãozinho muito melhor que o do rodízio de chuchu que eu comi na clínica".
É o que eu digo: o estilo é o homem.
Lula Vieira, no jornal Propaganda & Marketing.
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