18.8.07

Se sair, não volte mais

Quem já não ouviu de alguém: “se sair, não volte mais!”

Há algo mais desolador do que espiar o quarto pela última vez? Essa ânsia de decidir o que não foi compreendido. A vergonha de ter duas pernas para andar. A vergonha de ter dois braços para concordar com as pernas.

Há algo mais demolidor do que ouvir esse desabafo sem concessões, sem releitura? Ouvir essa ordem de quem nos convidou para entrar. Esse ultimato “pense agora”, “rápido”, “depressa”, como se fosse possível pensar alguma coisa aos berros. Não ter tempo de definir se é fingimento ou verdade. Não ter tempo de pedir mais tempo.

Essa relação que era tudo o que você tinha, era tudo o que você acreditava. Essa relação agora jugo, propriedade, demolição.

Essa imposição que nos constrange a tomar partido, a tomar uma atitude, a tomar a própria voz a contragosto.

Tentar descobrir um abraço entre os empurrões. Falar e parecer ironia. Explicar e parecer zombaria.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que os adultos não brigam, eles se suportam aos poucos.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que o ódio seduz.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que a cobrança é maior do que a memória.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que o desejo era vizinho do despejo. Ao subtrair uma letra, subtrair uma vida.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que a maçaneta está presa somente por um prego.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que o casamento libertou até aquele momento.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que seu casaco é roupa de cama.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que a despedida é desaparecer.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que o filho é uma rua sem saída.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que o gancho do cabide servirá para desentupir o ralo.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que a visita tem hora marcada.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que o fecho perdeu seu trilho, mastigou metade dos seus dentes.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que o pescoço é curto para espiar lá fora.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir que a paz dali por diante será trégua.

“Se sair, não volte mais!” Descobrir a ofensa dentro da oferta.

E desistimos de sair, mas também desistimos de voltar.

Uma lealdade se rompe com essa frase, a alegria de ir e vir. A fidelidade some com essa frase, entra outra coisa em seu lugar: submissão, desencanto, arrependimento.

O amor é quando faltam palavras.

O desespero é quando sobram palavras.

Quando sair, me leve junto. Em silêncio.

fonte: blog do Fabrício Carpinejar / arte: Gustav Klimt

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