29.9.07

Amor é coisa de boteco

O amor encontra sua dignidade na vergonha. Envergonhar-se de um amor é ter orgulho dele.

Choro por um amor. Despedaço-me por um amor. Fragmento-me por um amor. Faço chantagem por um amor. Digo o que não devo por amor. Estrago uma festa por amor.

Amor desesperado é ainda o jeito mais tranqüilo de amar. Não conheço outra paz senão a de guerrear no fundo de um copo.

Não sou homem de tranqüilizantes, de remédios na cômoda, de sono induzido. Meu quarto é o bar, público e derradeiro. Meu travesseiro é uma toalha de mesa plastificada. Amor só sabe gemer falando alto.

O amor é aguardar uma resposta. A fossa é o período de uma resposta a outra. Não há como amar sem prejuízo. Sem acreditar que não deu certo. É inacreditável como apaixonados contam as mais absurdas confidências a estranhos e escondem os detalhes dos mais próximos. Todo garçom já foi nosso padre um dia. Nosso confessor. A gravata-borboleta é nossa batina.

Amor é esse estágio necessário de loucura para suportar a normalidade. Quando amo, não preciso de psiquiatra, preciso de um táxi para voltar.

Amor mesmo é coisa de boteco, com potes de ovinhos de codorna e cachaça nas prateleiras. Amor não tem nojo, repulsa, pudor de sofrer. Sofremos de amor para abrir espaço por dentro e desalojar antigos moradores.

Amor não é próprio de restaurante ou de guardanapo nos joelhos. Não haverá um porteiro saudando com "boa-noite", não haverá recepção ou um senhor para abrir a porta. Aliás, não terá porta, é uma garagem para o corpo balançar à vontade e não quebrar nada.

Não espere cardápio no amor, espere cartazes nas paredes. As lâmpadas estarão com as braguilhas abertas no teto.

Amor mesmo é devasso, cafona, cadeira de metal amarela, dobrável e enferrujada. Deve-se tomar cuidado para não sentar na ponta.

O amor não vem da elegância de um lugar, vem da nobreza da dor.

O amor é o solitário do balcão, a retirar vagaroso o rótulo úmido da garrafa porque não pode despir sua mulher. Fica delirando em braile. Aprende inglês com as moscas. Joga dama com os cascos. Reza dez ave-marias para cada pai-nosso. Descobre que o terço é feminista. A cada vez que pensa em si, pensa dez vezes no corpo dela.

Não se limpa um amor no banheiro. Limpa-se com as mangas da camisa na frente de todos. O amor é a boca assoando.

O amor não pede a conta na mesa, é a conta. Não há amor se você não for o último cliente. O último a sair é que está realmente amando.

Quem ama não guarda o dinheiro na carteira, deixa avulso e amassado no bolso. É sintomático. Estará cantando Amado Batista sem querer. E se espantará que conhece a letra, egressa de alguma estação da infância.

Só pode ser do radinho materno, ao lado do fogão. Sua mãe colocou aquelas canções em sua comida.

fonte: blog do Fabrício Carpinejar
Arte de George Grosz

Um comentário:

luciana disse...

Diria que parece um vírus no pc.
Que entra e descontrola tudo, já não funciona tão direito e certeiro como era antes.
Acabo fazendo coisas que não são pra fazer e deixando o que deveria.
Uma mudança de comportamento, o que faço num instante me arrependo no outro.
Ora acho que estou apaixonada, ora que sou uma ridícula, ora suspiros e ora risos.
Sobretudo uma docê confusão de atitudes, sentimentos e sensações, em que tudo vale a pena, até que a virose passe.

Blog Widget by LinkWithin