16.9.07

Amor que fica

Todos os brasileiros de bem têm o dever de defender, ardorosa e entusiasticamente, a permanência do traseiro de Renan Calheiros na poltrona de presidente do Senado. O “Fica, Renan” tornou-se um imperativo cívico.

Lula e seus auxiliares articulam um pedido de licença de Renan. A milícia congressual de Renan sugere que o general tire algumas semanas de descanso. Grão-petistas como Aloizio Mercadante esgrimem a tese do afastamento temporário de Renan. A oposição exige que Renan se abstenha de presidir o Senado até a conclusão de todas as apurações.

Todos os que hoje desejam ardorosamente a licença de Renan contribuíram ontem para a absolvição do mesmo Renan. Estão lá, impressas sob a diáfana camada de sigilo do painel eletrônico, as digitais de Walfrido dos Mares Guia, o articulador de Lula; dos Silvérios do tucanato, dos quintas-colunas do DEM; das abstenções do petismo.

Ficou combinado que, para o governo e a maioria dos senadores, nada acontecera. Restou estabelecido que não valia a pena aviltar o compadrio que permeia as relações políticas em nome de algo tão relativo e politicamente supérfluo como a verdade.

Ora, se Renan é inocente, por que deveria deixar o cargo? Não, não. Nada disso. Que o Planalto conviva com seu aliado. Que os senadores empurrem para debaixo do tapete a sujeira que sobrou em volta. Que os salvadores de Renan desfrutem, por inteiro, da presença do colega incômodo. Que se dediquem a tanger a boiada de dúvidas que persegue o boiadeiro-mor.

Ao absolver Renan, o Senado converteu-se numa mega-fazenda de Murici (AL). O gado transita agora pelo gabinete da presidência, pasta no salão azul, passeia pelo cafezinho, baba nas cadeiras do plenário. Os senadores optaram por fingir que as reses não estão ali. Pois que cuidam para não pisar no rabo das vacas, amplificando-lhes os mugidos.

Por trás da pressão para que Renan se licencie do cargo repousa um acerto mais escandaloso do que a absolvição. Aposta-se que, se o senador sair de fininho da presidência, o embaraço do salvamento inexplicável não será convertido em terremoto. Esquece-se de um detalhe: o brasileiro de hoje, menos bovino que o cidadão de ontem, não parece mais disposto a se fingir de bobo pelo bem da República.

Se o Renan Calheiros é o mesmo, se o Lula é igualzinho, se o Senado é o mesmo, se a imprensa também é a mesma, o que mudou para que um simples pedido de licença transforme o acinte em esquecimento? Nada.

Não há mais alternativa: ou o Senado devolve Renan definitivamente a Alagoas, cassando-o, ou convive com a tese de que o complô da mídia golpista, a irresponsabilidade dos peritos da Polícia Federal e o desejo de holofotes dos relatores do Conselho de Ética transformaram, maliciosamente, um senador modelo num ladrãozão. Enquanto o Senado não faz a sua opção, brade-se, a plenos pulmões: fica, Renan; resista, Renan; não esmoreça, Renan.

fonte: blog do Josias de Souza

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