24.9.07

Meditação, Platão e Nietzsche

Sobrevivência na selva, rafting em rios caudalosos, escalada em montanhas íngremes. No início da década, atividades como essas se tornaram moda no mundo corporativo. Para motivar os funcionários e despertar o trabalho em equipe, as empresas acreditavam nos efeitos dos esportes radicais e em muita adrenalina.

A onda agora é outra - bem mais light, diga-se. Em empresas como Coca-Cola, Itaú e Unilever é cada vez mais comum reunir os executivos para engatar um papo-cabeça sobre as idéias de filósofos como Platão e Nietzsche.

O objetivo das empresas com as aulas sobre filosofia, arte e história é despertar o espírito crítico, a criatividade e a capacidade de abstração do pessoal. "Os encontros são um alívio para a pressão e uma oportunidade de confraternização", diz Moacir Zilbivicius, sócio do escritório de advocacia Mattos Filho, que acaba de oferecer a seus advogados um curso sobre as grandes religiões do mundo, ministrado pelo centro de estudos Casa do Saber, de São Paulo.

Um dos apelos desse tipo de aula é que normalmente elas são opcionais. "Os cursos obrigatórios despertam antipatia e descrédito, já que muitos funcionários não vêem nada lúdico nessas atividades", diz Cláudio Garcia, da consultoria DBM, especializada em recursos humanos. O oposto tende a ocorrer quando o funcionário pode decidir se participa ou não.

Na sede do grupo Algar, em Uberlândia, um dos "treinamentos" mais procurados pelos empregados são as sessões de meditação da monja budista Coen Sensei. Na última delas, ocorrida em junho, houve até lista de espera - apesar das 60 vagas disponíveis.

Alguns executivos que participam dessas atividades alternativas acabam ficando quase "viciados". É o caso de Mário Bochembuzio, gerente-médico do laboratório Merck Sharp & Dohme no Brasil. Aos 41 anos de idade, Bochembuzio já assistiu a três palestras neste ano: Beleza e arte, O que é uma vida bem-sucedida? e Intenção. "Estamos aprendendo uma forma não usual de ler os acontecimentos na empresa e na vida pessoal", diz ele. "Isso ajuda chefes e subordinados a aceitar suas diferenças e, assim, conviver melhor."

Os benefícios, dizem os adeptos, podem ir além da melhora no relacionamento entre os funcionários. Na Young & Rubicam, maior agência de publicidade do país, as aulas sobre filosofia e arte deram aos publicitários argumentos para convencer um cliente a usar imagens distorcidas numa campanha para jornais e revistas.

"Em uma das aulas o professor usou a Pietà, de Michelangelo, para mostrar que mesmo onde falta proporção há beleza", diz Silvia Panico, diretora de atendimento da agência. "Usamos o mesmo argumento para convencer o cliente de que a beleza do conjunto era maior do que a estranheza que o detalhe poderia causar."

Na subsidiária brasileira da gravadora Sony-BMG, 23 funcionários esmiuçaram os movimentos musicais brasileiros no curso Da bossa nova ao hip hop. Depois dos encontros, surgiu a idéia de lançar coletâneas sobre o tropicalismo e a era dos festivais - sugestões que a gravadora ainda está estudando. "O curso estimulou a paixão do nosso pessoal, o que é importante porque a indústria fonográfica passa por um momento delicado", diz Flávia Ribeiro, gerente de planejamento e RH da Sony-BMG.

Quem está lucrando com o novo filão são escolas como a Casa do Saber, inaugurada em São Paulo em 2003 e inicialmente rotulada como um espaço para dondocas entediadas dar uma "polida" no conhecimento. Há dois anos, a escola começou a oferecer também aulas a empresas. Desde então, 68 cursos e palestras já foram ministrados em 30 companhias. Em 2007, essa iniciativa deve gerar cerca de 400 000 reais, o equivalente a 10% de seu faturamento anual (um módulo de seis aulas custa, em média, 500 reais por funcionário).

Consultores como o filósofo Mário Sérgio Cortella, professor da PUC de São Paulo, também ganham com a tendência. Hoje, Cortella dedica metade de seu tempo a palestras em empresas. Nas exposições que faz em companhias como Itaú e Gerdau, os temas são Cenários de antropodiversidade (abordando tradições e preconceito), Não nascemos sabendo, ainda bem! (sobre a importância de exercitar a humildade) e Ética, indivíduo e sociedade. "Já tenho palestras agendadas até para o próximo ano", diz Cortella. Ele cobra de 7 000 a 15 000 reais nesses encontros.

Apesar da febre, é preciso tomar alguns cuidados ao oferecer essas atividades aos empregados. "Um dos melhores resultados desse tipo de curso é que os funcionários aprendem a questionar a si mesmos e à própria empresa. Mas, se a administração não estiver sintonizada com esse tipo de atitude, o investimento não só pode ser desperdiçado como também prejudicar o clima", diz Betania Tanure, da Fundação Dom Cabral.

fonte: Exame

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