22.10.07

Baixa literatura

Como diretor de marketing, posso afirmar: somos um bando de franciscanos!Meus caros amigos publicitários, meus diretores de criação, meus colegas do planejamento, meus velhos companheiros de copo, cruz e trabalho: nós fomos enganados a vida inteira! As pessoas nos diziam que éramos convencidos, vaidosos, metidos à besta, insuportáveis. E eu, pelo menos eu, acreditava nisso. Como eu convivia a maior parte do tempo com publicitários, achava realmente que fazíamos parte de uma classe de pessoas extremamente auto-referenciadas, vaidosas, egocentradas.

Agora que sou diretor de marketing, editor de livros, cliente, trato com outro tipo de seres humanos, estou totalmente à vontade para afirmar: somos um bando de franciscanos! Deveríamos, em nome da coerência, usarmos sandálias de couro, cinto de corda e comer somente pão e vinho com água.

Estou atualmente lidando com editores de livros, autores de livros, jornalistas de cultura e posso garantir a vocês: ego inflado é isso. Qualquer pessoa que trabalhe no mercado editorial normalmente tem auto-estima capaz de transformar Maria Callas numa freirinha de paróquia.

Como essa indústria não é lá de pagar muito, compensa a falta de cheque no fim do mês com o direito de permitir a todos os que trabalham com livros se sentirem os verdadeiros reis da cocada impressa. E o que é infinitamente pior: estou indo para o mesmo caminho.

Faz algum tempo que entendo de tudo, conheço o mercado e sou o maior intérprete da cabeça do leitor que já apareceu na face da terra. Tanto é verdade que com menos de um ano de atuação já acho que posso falar mal de todo mundo do ramo. Mas sou obrigado a fazer justiça: não existe meio mais divertido de ganhar a vida.

Fazer, distribuir e vender livros, além de ser extremamente prazeroso, tem a vantagem de eliminar qualquer tipo de culpa. É igual a vender cerveja, leite condensado ou fogão. Só que dói menos.

Faz algum tempo que estou me prometendo escrever sobre minhas novas funções para os meus cinco leitores, mas sempre aparece um assunto que domina minhas lembranças e eu adio o relatório. Até porque suspeito que ninguém está mesmo interessado nisso. Mas já que comecei, fique firme que lá vai mais abobrinhas.

Como até mesmo o leitor mais imbecil pode perceber, meu endereço na internet hoje é lula@ediouro.com.br. Conseqüentemente estou trabalhando na Ediouro. Sou o que resolveram chamar de diretor de marketing corporativo, isto é, trabalho para todas as empresas do Grupo Ediouro. Fazendo o quê? Bem, na última reunião da Câmara Brasileira do Livro tive a oportunidade de dizer: no mercado editorial o marketing existe para levar culpa.

Explico. Se um livro é sucesso, o autor é genial, o editor um iluminado, o diretor comercial um eleito dos deuses, o livreiro um profissional brilhante. Se o livro é um fracasso, a culpa é do departamento de marketing. Simples assim. E tem mais: enquanto na maioria dos lugares todo mundo entende de propaganda, no mercado editorial todo mundo entende de marketing.

O sujeito entra na empresa como estagiário seja lá do que for e no segundo dia já está renegando tudo que foi feito até agora em matéria de distribuição, venda, propaganda. Em compensação, ao contrário da maioria das outras empresas, no mercado editorial é impossível alguém viver nele sem ler livros.

Só aí já se percebe que a gente convive com pessoas muito mais bem informadas, mais ligadas no mundo que as cerca, mais – digamos – cultas. Não é fácil acompanhar o ritmo de um ambiente de trabalho onde a média de leitura é de três a quatro livros por mês. É só a gente dar uma cochiladinha e perde o fio da meada. Também é gratificante ter como clientes pessoas mais antenadas.

O comprador médio das livrarias tem uma bagagem cultural bem maior do que o comprador de qualquer outro tipo de negócio. Para não falar no consumidor final, que no caso é (em princípio) um leitor. Outra característica de uma editora, acredito que não por acaso, é a verdadeira fúria em produzir e-mails.

Eu, que já detesto este tipo primário e antiquado de comunicação, apenas uma versão mais rápida da correspondência e do memorando, sou obrigado a deletar (já que ler seria um sacrifício e uma perda de tempo que não me permito) centenas de e-mails inúteis por dia. Estou a [sic] um ano trabalhando numa editora. O que já vivi daria para escrever um livro!

Lula Vieira, no jornal Propaganda & Marketing.

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