22.10.07

O Brasil não precisa de cultura

A cada dia, vou me aproximando da convicção de que cultura é muito mais uma opção que uma necessidade. Cultura não tem nada a ver com dinheiro, conforto, passeios de iate, viagens em jatinhos particulares, grifes caras e famosas, viver num endereço prestigiado, absolutamente nada a ver.

Cultura não faz nenhuma falta para ser famoso, admirado, respeitado, desejado, disputado, remunerado, bajulado, nenhuma falta. Cultura é dispensável para se construir uma imagem e uma reputação que corram o mundo e despertam o interesse de gestores de marcas consagradas e investidores internacionais, totalmente dispensável. A cada dia me fica mais evidente que cultura pode atrapalhar, desconcentrar, dispersar a atenção daqueles que necessitam cuidar com eficiência da "governança" do seu negócio, atentos ao foco em seu "expertise".

Cultura até pode ser um monte de informações bacanas, tá, mas que não contribuem em nada para atrair o interesse das editorias que mexem com aquilo que efetivamente dá dinheiro e fama. Cultura não abre as portas do poder nem abre linhas de crédito fácil para a expansão de empreendimentos ou refinanciamento de dívidas.

Um pouco de cultura é até legal numa festa onde, de repente, a gente encontra um gato ou uma gata que tenham cultura e que, sei lá, se a gente não mostrar um pouco de cultura também, tá ligado, o papo pode nem rolar e a oportunidade de botar aquela coisa maravilhosa no currículo, pelo menos para uma bela foto de capa de revista, passa batida.

Enfim, meus amigos, em nome da "aceleração do crescimento", proponho que a cultura seja abolida, banida da formação de nossos jovens.

O Brasil não precisa de cultura! O Brasil precisa é de cara-de-pau e de boa aparência! É isso o que faz um vencedor! Aliás, como afirma o modelar "coach" Sílvio Celestino, "no futebol, vale gol com a mão, na regra é que não vale". Não é edificante? Desopilado o fígado, vamos aos fatos. Na edição de Veja-SP de 17 de outubro de 2007 foi veiculado um anúncio da Daslu.

Não sei se dá para chamar de anúncio nos moldes do que nós, criativos publicitários, chamamos; na verdade, é um comunicado. Como convêm aos comunicados fúnebres e aos comunicados chiques, é todo preto. Começa com um exótico "Welcome" no alto da página (Fico imaginando um anúncio que começasse dizendo "Keep out"). A seguir, inicia o texto, que reproduzo literalmente para não me acusarem de tendencioso e manipulador:

"Comunicamos aos portadores do cartão Daslu que mesmo os que estão com a data de validade vencida, (meu comentário: não é formidável? Há portadores do cartão Daslu com a data de validade vencida!Estará isso relacionado com a idade da pessoa?) continuam (meu comentário: perceberam a vírgula indigente depois de "vencida" e antes de "continuam"?) oferecendo a vantagem de "Free Vallet Parking" (meu comentário: ou seja, os portadores do cartão Daslu com data de validade vencida devem ser os manobristas da Daslu, pois eles "continuam oferecendo a vantagem do "Free Vallet Parking"). E o texto-pérola finaliza: "Os clientes que ainda não possuem o cartão, (meu comentário: mais uma vírgula indigente) serão sempre bem vindos (meu comentário: separado e sem hífen) e poderão solicitá-lo em qualquer um dos caixas da Daslu".

Bem, tirante os atentados à língua portuguesa na forma, a confusão do conteúdo me despertou o espírito investigativo. Parece uma mensagem cifrada, disfarçando uma situação, digamos, inconveniente à imagem do negócio.

Senão, vejamos:

1. Se há tantos clientes com seus cartões de estacionamento vencidos (o que, pressuponho, foi o que a Daslu tentou dizer num português capenga), que justifiquem pagar um anúncio para chamá-los, é sinal de que eles não estão reaparecendo na casa;

2. A informação de que "clientes que ainda não possuem o cartão (...) poderão solicitá-lo (...)" revela que o primeiro "filtro" da casa, caracterizado por um estacionamento absurdamente caro, fica sem efeito.

3. Conclusão: a Daslu, nesse comunicado, está chamando de volta os clientes desaparecidos e baixando a guarda para aqueles que não eram bem-vindos se não sinalizassem, de chegada, capacidade financeira para estacionar.

Enfim, uma boa reflexão para os economistas: é o brasileiro que está ficando mais rico ou é a Daslu que vai começar a vender para os "pobres"?

Stalimir Vieira, no Propaganda & Marketing.

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