10.11.07

Esperança equilibrista

Adepto da Teologia da Libertação, Frei Betto sempre foi militante de movimentos pastorais e sociais. Ocupou a função de assessor especial do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2004, e se tornou coordenador de Mobilização Social do programa Fome Zero. Frei Betto recebeu vários prêmios por sua atuação em prol dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Assessorou vários governos socialistas, em especial Cuba, nas relações Igreja Católica-Estado.

JB Online – O senhor lançou dois livros nos últimos anos. Calendário do Poder e Sobre a Esperança, em parceria com Mário Sérgio Cortella. Conte como foi a experiência e por que a idéia de escrever.

Frei Betto - Na verdade, Calendário do Poder é meu diário de dois anos no Planalto. Me senti na obrigação de prestar contas ao contribuinte brasileiro que me sustentou e para o qual eu trabalhava. E minha forma de fazer isso foi através da literatura. Tinha por hábito, toda primeira semana do mês, fazer um relatório minucioso do que havia feito, a cada dia, ao presidente da República, do qual era assessor especial; esta foi a base para o livro. Que eu saiba foi a primeira vez que alguém que vivenciou o dia-a-dia do poder contou como funcionam as coisas do lado de dentro. Reuniões de ministros, ascensão e queda do Fome Zero, articulações políticas, suspeitas de corrupção, está tudo no livro. Sobre a Esperança é um diálogo meu com o professor Mário Sérgio Cortella. O título retrata literalmente o conteúdo: por que hoje vivemos num mundo de desesperança, de desencanto, neste festival de necrologia, o fim da utopia, o fim de valores, o fim de tudo. Quero resgatar um pouco a esperança neste mundo pós-moderno tão desesperançado, com cores feias.

JB Online – O senhor tocou num ponto crítico da sociedade moderna: a violência. Tem gente que já se acostumou e que não sente mais nada ao ver gente morrendo por bala perdida ou chacinas em favelas. A violência está banalizada. O senhor acredita que isso possa mudar?

Frei Betto - Ainda me assusto muito com a violência. Primeiro, porque acho que é muito fácil de ser radicada. Ela não vem da miséria, vem da cultura. Cria-se uma cultura de levar vantagem, da prepotência, do acima da lei. Nas palestras que faço para jovens, costumo dizer que a violência não vem da miséria. Existem países tão miseráveis ou mais na África e que, proporcionalmente, não são tão violentos quanto o Brasil. O país mais violento do mundo é o mais rico: os EUA. Ali, a violência foi banalizada, assim como a miséria. Fico muito indignado ao ver um ser humano jogado na calçada, mas tem gente que não liga. As pessoas simplesmente passam. Nós ainda estamos na pré-história da humanidade, ou seja, ainda elaborando os valores humanos. Em 2008, vamos comemorar 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos e tem gente que diz que isso é para defender bandidos. Ainda estamos numa etapa primária da consciência da dignidade, felicidade e da sacralidade humana. No entanto, acredito em mudanças. Se diminuirmos as desigualdades sociais, se criarmos uma cultura de vida e não necrófila. Tenho muita esperança na criação de outra cultura e que haja mais investimento em educação. A última pesquisa do IBGE mostra que 8 milhões de jovens no Brasil, de 18 a 25 anos, não terminaram o ensino médio, o que os impede de entrar no mercado de trabalho. A vitória do sistema neoliberal é convencer as pessoas de que isso que está aí é eterno. É a pior lavagem cerebral, porque nos imobiliza. Achar que não vai mudar é dar a vitória ao sistema. Temos condições de mudar sim, não podemos desistir.

JB Online – O senhor foi mentor do Programa Fome Zero e depois de dois ano deixou o governo por discordar dos rumos que ele tomou. Ainda acompanha o andamento da ação e o que acha dela?

Frei Betto - A principal razão de ter deixado o governo foi a descaracterização do Fome Zero. O programa foi criado para ser emancipatório, para a família miserável permanecer nele durante um ano, um ano e meio; depois disso estaria em condições de produzir a própria renda. De repente, a Casa Civil transformou o programa em eleitoreiro. Eu não podia concordar com isso. Fiz minha luta interna para ver se mudava, porém fui derrotado e decidi deixar o governo. O Fome Zero virou um mero Bolsa Família, houve uma descaracterização absoluta. Continuo acompanhando o que vem sendo feito e repito a grande pergunta que fazia antigamente: qual será a saída para essas famílias? Meu medo é que amanhã volte um governo de direita e acabe com tudo, levando essas famílias a retornarem à miséria. No momento não me orgulho do programa, porque virou um programa voltado para interesses eleitorais. Me orgulho do que fiz. Na verdade, não consegui convencer o presidente de que ele foi eleito para fazer mudanças estruturais na sociedade brasileira, inclusive a Reforma Agrária. Nunca vamos conseguir modernizar o capitalismo brasileiro sem a reforma agrária, muito menos erradicar a miséria. Continuo dizendo que o Brasil e a América Latina estão melhores com Lula do que sem ele. É claro que tenho muitas decepções com este governo, mas também destaco as conquistas.

fonte: Agência JB

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