18.11.07

A verdade, a crença e a fé

Jacques Ellul fez a distinção entre fé e crença. Crença é a afirmação racional que descreve a realidade, a decodificação em palavras a respeito do mundo que nos cerca, o conjunto de doutrinas que adotamos para organizar a realidade e nos situarmos nela, isto é, a maneira como enxergamos o mundo e a vida e como devemos nos comportar de modo a que nossa existência tenha sentido: significado e direção.

Existem crenças filosóficas, ideológicas, científicas e, principalmente, religiosas. A crença diz respeito ao que acreditamos: que o homem é a medida de todas as coisas, que o capitalismo é o melhor modelo econômico, que a terra gira ao redor do sol, que Jesus Cristo é Deus, por exemplo.

As religiões estão baseadas em crenças: os muçulmanos acreditam que a revelação definitiva de Deus foi dada a Maomé; os judeus acreditam na Lei de Moisés; os budistas acreditam que todo ser humano pode atingir a iluminação e se tornar um Buda.

Dentro de cada sistema religioso existem também divisões em razões de crenças diferentes. Por exemplo: os cristãos chamados arminianos (de Jacobus Arminius), em geral, acreditam que é possível perder a salvação, e os cristãos de tradição calvinista (de João Calvino) acreditam que uma vez salvo, pra sempre salvo, e que se alguém não foi para o céu é porque nunca foi salvo.

As crenças têm uma característica paradoxal: ao mesmo tempo em que aproxima as pessoas, afastam as gentes. As pessoas se ajuntam ao redor de suas crenças, gostam de ficar na companhia de quem tem as mesmas idéias, pratica os mesmos rituais e se comporta de acordo com as mesmas regras morais. O problema é que, geralmente, estas pessoas unidas pelas crenças comuns declaram guerra a todo mundo que não concorda com elas.

Quando Jesus diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, estabelece uma nova dimensão de relação com a verdade. A partir dessa declaração de Jesus, a verdade não é mais uma questão de crença, pois já não se trata de explicar e descrever a realidade de maneira racional, mas de se relacionar com uma pessoa: o próprio Jesus.

O Novo Testamento Judaico traduz corretamente João 3.16: “Deus amou tanto o mundo que deu seu Filho único, para que todo que nele confia possa ter vida eterna, em vez de ser completamente destruído”. A relação com Jesus transcende a questão da crença - acredito ou não acredito; mas é uma questão de fé - confio ou não confio, entrego a ele minha vida ou não entrego.

As crenças pretendem traduzir a verdade em palavras. Mas o relacionamento com uma pessoa será sempre maior do que sua descrição, até porque toda pessoa é sempre maior do que as palavras conseguem descrever. Esta é a razão porque o relacionamento com Jesus está na dimensão da fé, e não da crença.

Meu amigo Paulo Brabo, que me ajudou a entender essas coisas, disse algo interessante: “Não tenho como recomendar a crença; sua única façanha é nos reunir em agremiações, cada uma crendo-se mais notável do que a outra e chamando o seu próprio ambiente corporativo de espiritualidade. Não tenho como endossar a crença; não devo dar a entender que a espiritualidade pode ser adequadamente transmitida através de argumentos e explicações. Não devo buscar o conforto da crença; o Mestre tremeu de pavor e não tinha onde reclinar a cabeça. Não devo ouvir quem pede a tabulação da minha crença; minha fé não é aquilo em que acredito.

Nunca deixa de me surpreender que, para o cristianismo, Deus não enviou para nos salvar um apanhado de recomendações ou uma lista suficiente de crenças, mas uma pessoa. Minha espiritualidade não deve ser vivida ou expressa de forma menos revolucionária. Não pergunte em que acredito”. Ao que eu concluiria: a pessoa em quem confio - Jesus Cristo, é mais importante do que as coisas em que acredito.

Ed René Kivitz, no boletim desta semana da IBAB.

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