1.12.07

A mais dura lição

Morremos aos poucos, sempre devagar e dolorosamente. Esperneamos para não sumirmos. Recusamos imaginar que um dia vamos abrir mão dos nossos delírios onipotentes que nos dão a sensação de que nunca envelheceremos.

Ninguém gosta da idéia de desaparecer. Vivemos nos iludindo, evitando a noção do nosso fim. Como é difícil ter que romper com os narcisismos e jogar fora a prepotência da eterna juventude.

A morte é uma despedida. Mais que um rompimento com o passado, um adeus a esta vida. Relutamos contra a consciência de que a todo instante o passado cresce e o futuro diminui. Esforçamo-nos para perenizar nossa memória, idealizando os eventos já acontecidos.

Muitas vezes, agimos como o jogador que não aceita pendurar as chuteiras e que, por mais que se esforce, sabe que suas pernas não obedecem ao comando da mente. Um dia, resignado e revoltado com o vexame dos últimos jogos, ele aceita voltar para as arquibancadas, mas cheio de amargura. Para compensar o declínio, não consegue celebrar o presente. E vive a apedrejar os outros.

Todos relutamos em abrir mão do passado. Nostálgicos, procuramos reescrever nossa história, assumindo o papel de heróis abnegados e santos imaculados. Esquecemos, entretanto, de mencionar nossas inadequações e que suamos as camisas com vaidades inúteis. Esfolamos nossos joelhos com messianismos delirantes e passamos noites em claro porque buscávamos agitar a galera.

As instituições também se recusam a contemplar a morte. Mas elas, um dia, vão se acabar. Algumas igrejas rejeitam ser o grão de trigo que aceita sua fragilidade para dar muito fruto. Os crentes, infelizmente, não admitem que sejam efêmeros e isso vem de suas origens. No final do século XIX, aconteceu uma enorme controvérsia devido ao liberalismo teológico alemão e os primeiros evangélicos se fortaleceram em oposição a essa teologia.

Dessa forma, já em seu nascedouro, o movimento se definiu como uma reação a uma ameaça externa. Sua identidade se construiu de dentro de trincheiras argumentativas, nos debates. Daí a necessidade de sempre haver um inimigo qualquer: o darwinismo, o comunismo, a contracultura da década de sessenta, a pós-modernidade, o islamismo, o divórcio, o aborto, os homossexuais.

Com essa atitude, os evangélicos facilmente assumiram uma mentalidade militar. A linguagem bélica de alguns hinos é significativa; convidando os crentes para combaterem contra o mundo; as recentes "batalhas espirituais" procuraram transformar as igrejas em quartéis e os convertidos em soldados. (felizmente, tais mobilizações se mantêm no campo simbólico da religião; caso contrário, também haveria homens-bomba cristãos) Nesta ambiência, os evangélicos se acham imbatíveis e não cogitam falar em morte.

Os pentecostais também precisam aprender mais sobre a virtude de morrer. No pentecostalismo prevalece a noção de que o poder do Espírito Santo torna o crente, prioritariamente, produtivo; sua marca é eficiência espiritual.

Esta percepção pode desembocar em ativismo. A busca de uma eficácia sobrenatural que prova a "unção", fazer as pessoas confundirem bons relatórios com integridade. O fascínio por sinais grandiosos comprovariam a eleição divina, por isso, vários obreiros manipulam os apelos de conversão e falseiam os milagres. No afã de mostrar a o poder do Espírito criam uma atmosfera que não aceita a fragilidade como virtude.

Entretanto, a verdadeira espiritualidade pentecostal deveria ensinar que Cristo morreu na Cruz não só para nos substituir, mas para que sigamos seu exemplo. Ele enviou seu Espírito para que os verdadeiros cristãos possam aprender a dizer: "Estou crucificado com Cristo".

Jesus nos ensinou que morrer é vocação e honra - "foi nos dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele" (Filipenses 1.29). Mesmo que sua mensagem sobre a morte contradiga a lógica humana, os crentes não desistem de segui-lo - "Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa, a encontrará" (Mateus 16.25). A morte, portanto, não é inimiga dos crentes - "porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro" (Filipenses 1.21).

Soli Deo Gloria.

mais um texto legal do meu amigo Ricardo Gondim.

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