24.12.07

Religião privatizada

O sociólogo Alain Touraine, 82 anos, diretor de Estudos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em entrevista a revista Época, fala sobre o crescimento das igrejas evangélicas, populismo político e as fragilidades ainda existentes na democracia brasileira.

Alain Touraine, sociólogo, de 82 anos, diretor de Estudos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, uma das chamadas grandes escolas da França, um dos principais intelectuais franceses, é um profundo conhecedor da América Latina, dos movimentos sociais e dos problemas da democracia nessa parte do mundo.

Seu envolvimento com a região, que ele começou a freqüentar no fim dos anos 50, é emocional. Foi casado com uma chilena. Um de seus amigos e ex-alunos é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com quem jantou há cerca de 15 dias em Paris. Na semana passada, Touraine conversou com ÉPOCA e falou sobre o crescimento das igrejas evangélicas, populismo político e as fragilidades ainda existentes na democracia brasileira.

O crescimento das igrejas evangélicas significou um aumento da diversidade religiosa no Brasil. Isso não é bom?

Eu não faço esse julgamento. A Igreja Católica tem a pretensão de representar uma verdade universal. Nenhum das igrejas evangélicas provenientes seja do protestantismo tradicional seja do ramo batista norte-americano têm essa pretensão. É uma grande diferença, portanto, com o catolicismo e as igrejas ortodoxas. Essa é uma situação que corresponde a uma sociedade em movimento. A Igreja Católica era muito forte quando as estruturais rurais e morais eram muito estáveis, onde o político, o social e o religioso andavam junto. Hoje, é evidentemente que essas igrejas ou cultos correspondem a uma sociedade que não tem mais um princípio de unidade. Há uma certa privatização da religião. Isso corresponde a uma sociedade em movimento.

Há um retorno às religiões, por causa da globalização?

Há uma crise da filosofia do progresso, da crença na tecnologia, no racionalismo - esse modelo do século XIX. Essa crise pode ser encarada como um retorno ao não-racionalismo, a uma visão que não é propriamente religiosa e leva a práticas irracionais como magia, mediunidade, etc. O cristianismo, por exemplo, é uma religião muito racionalista, muito aristotélica. O irracionalismo é quase o contrário da religião, ao menos no mundo cristão.

O que o senhor acha dos ataques do Papa Bento XVI à secularização da sociedade?

Não se pode culpar o papa por ele ser católico. Essa é a visão católica das coisas. Eu não gosto do tema do secularismo. O tema do secularismo quer dizer que o mundo é dominado pelo racionalismo. Isso, na minha visão, é completamente falso. Eu acho que o mundo é dominado pela racionalização e pelo nascimento da liberdade de consciência. As igrejas se opõem a essa liberdade de consciência. Mas, ao mesmo tempo, defendem o domínio da consciência moral. Isso faz com que a rejeição do secularismo seja uma coisa mais ambivalente do que era em tempos passados.

fonte: Época [via ADIBERJ]

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