30.1.08

Apocalipse (ainda) now

Os valores morais ficaram para trás. O pecado adentra às casas de todo o país por meio de revistas e, principalmente, da televisão. Igrejas em pânico. Satanás está prestes a dar seu golpe mais profundo na célula mater da sociedade. Surdos à vox populi, políticos parecem inclinados a permitir que leis referendem o pecado. A instituição família corre riscos seriíssimos. O calendário marcava o ano de 1977.

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Formado pela Faculdade de Direito da Bahia, Nelson de Sousa Carneiro se engajou na política quando ainda estava na universidade. Foi preso em 1932 e na década seguinte elegeu-se deputado, iniciando uma carreira política que durou 65 anos.

A despeito dos embates religiosos que aconteciam no Nordeste e no interior do Brasil, em 1951 ele conseguiu a proeza de unir católicos e evangélicos. Não recorreu a nenhum discurso pseudo-ecumênico. Bastou apresentar o projeto de divórcio.

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A despeito do sobrenome simpático ao rebanho, o político baiano tornou-se persona non grata no coração de muitos crentes. Foram 26 anos de querelas incontáveis até a lei ser aprovada em 1977. Poucos o lembram como autor do Estatuto da mulher casada, que eliminou a exigência de autorização do marido para trabalhar fora ou simplesmente viajar. Outra de suas leis promoveu a equiparação dos direitos dos filhos fora do casamento, solucionando problemas recorrentes.

Titular da coluna Letras Jurídicas na Folha de S.Paulo, Walter Ceneviva avaliou recentemente os desdobramentos da lei do divórcio. “Passados 30 anos, a permissão de que a sociedade conjugal fosse dissolvida por ato voluntário dos esposos não foi a tragédia prevista pelos antidivorcistas. Não originou nem estimulou as turbulências da sociedade de hoje, no Brasil e no mundo.”

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Levantamento realizado há alguns anos pelo Barna Research Group tirou o sono de muita gente. De acordo com a pesquisa, o índice de divórcio entre os cristãos americanos era ligeiramente superior às taxas entre os não-cristãos. A julgar pela profusão de casos na igreja brasileira, a situação também deve se repetir por aqui. Ao menos neste caso de insônia, a prática de contar carneirinhos é altamente desaconselhável.

Alguns líderes mais exaltados continuam evocando os mesmos “bodes” de décadas atrás na tentativa de compreender e elucidar o que acontece na família. Ainda recitam textos bíblicos contra o namoro misto e na maioria das vezes suas asserções são tão ouvidas quanto as recomendações papais contra a camisinha.

Em certo grupos, pastores divorciados são encaminhados para os círculos finais descritos na obra clássica de Dante Alighieri. A exposição continuada do fracasso conjugal nada tem de divina nem de comédia. Sinaliza apenas que o fato de Deus perdoar e esquecer continua irritando quem julga ter padrões de justiça superiores aos divinos.

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A fúria com que determinados temas são tratados indica a presença de caroços sub-reptícios nesse angu. Se o líder divorciado conformar-se ao ostracismo e sem forças para se levantar do tremedal de lama, não há problemas. Se contrair (seria um tipo de infecção benigna?) novas núpcias e mostrar-se feliz na nova relação, provocará onda de surtos entre os que carregam diuturnamente sua infelicidade conjugal em nome da obediência às Escrituras.

Yes. Muitos integrantes do “povo mais feliz da terra” ficam superincomodados ao ver a alegria de cristãos que não comungam de suas proposições ferrenhas. Sob inspiração televisiva, mantêm permanente estado de alerta para flagrar supostos deslizes alheios. A projeção de suas fragilidades nos pecados de outras pessoas ajuda a explicar a florescente obsessão. Brothers com crises tamanho big desnudam a pequenez ao tirar do armário o slogan orwelliano: “O Grande Irmão zela por ti”.

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Alemanha Oriental, anos 80. O serviço secreto dos comunistas vigia tudo e todos para preservar o regime decadente. Uma piada prosaica já é suficiente para atrair a cólera dos celerados travestidos de guardiões. Esse é o cenário de A Vida dos Outros, filme de estréia do cineasta alemão Florian Henckel Von Donnersmarck que recebeu inúmeros prêmios.

Preocupados com o fato de o terreno artístico ser fértil para a subversão, dirigentes da Stasi escalam um sentinela para acompanhar cada passo de um escritor e diretor de teatro. O contraste entre a melancolia do espião e a alegria do artista vigiado evidencia-se em cada detalhe, incluindo a vida íntima. Lembrando as Escrituras, a mesma crueza do padrão usado contra a vida dos outros acabaria tornando-se a medida com a qual o agente seria medido. O comércio de cal para sepulcros proporciona bons lucros mas há sempre uma falência no fim da história. Literalmente graças a Deus.

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Andar segundo os preceitos bíblicos parece um fardo insuportável para muita gente. Livrar-se de algumas pedras do alforje seria sensato não fossem elas direcionadas para outrem. Na teoria, alguns apregoam ser como as virgens encarregadas de cuidar do fogo sagrado no altar da deusa Vesta. Na prática, o denuncismo atabalhoado serve apenas para chamuscar a lã de algumas ovelhas alquebradas.

No passado, alguns grupos chegaram a redigir normas rígidas de comportamento para a liderança. Diante da neura geral, certo pastor costumava queimar latas de cerveja consumidas na privacidade do lar, apavorado com a possibilidade de um oficial da igreja vasculhar o lixo da casa pastoral. O episódio é sem graça e emblemático, afinal o destino de fantasias de quem emula vestais é sempre o monturo.

“Você parece satisfeito demais”, disse a irmãzinha para o crente que trilhava alguns atalhos. “É verdade, estou muuuito feliz”, responde o cara. “Então vou parar de orar por você até que Deus pese a mão e o faça voltar para a igreja, mesmo que seja pela dor.”

Preletor freqüente em seminários de espiritualidade e vida cristã, James Houston disse certa vez que “um fundamentalista sofre horrores só de pensar que alguém, em algum lugar, possa ter prazer”. Tradução do sentimento cardial egoísta: “se eu não posso, ninguém mais pode também”.

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Muitas vozes têm-se levantado e disseminado pânico no meio do rebanho. Bíblia na mão, esbravejam contra o aborto e o movimento gay, manejando também versículos contra adeptos de outras religiões, especialmente as de origem africana. Desejam impor o comportamento cristão antes que as pessoas se aproximem de Cristo. Quanto mais altercam em polêmicas inúteis, ampliam ainda mais a distância a ser percorrida pelos pecadores em direção a um Deus que se autodenomina Amor.

Como escreveu o senador americano Barack Obama, “os conservadores se arrepiam quando o governo interfere nos mercados, mas não se importam quando o mesmo governo tenta controlar as práticas sexuais das pessoas”. Na era da internet, muitas “cartas vivas” parecem-se meras “tábuas da lei” digitalizadas.

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Após perder uma disputa musical contra Pã, Apolo se vingou fazendo crescer orelhas de asno no rei Midas. Envergonhado, o monarca escondeu o fato de todos, menos de seu barbeiro. Cheio de temor pela responsabilidade que lhe foi confiada, o barbeiro cavou um buraco no chão para esconder o segredo real. No entanto, diz a mitologia que cada vez que o vento soprava o segredo vinha à tona.

Hoje o Vento continua soprando onde quer, desvelando com freqüência feridas ocultas sob o manto da defesa da sã doutrina. Antes de prestar atenção aos vaticínios dos arautos das catástrofes, é mister ouvir-lhes o coração. “Vejo em cada grito de exigência um pedido de carência, um pedido de amor”, diagnosticou o poeta Mário Quintana.

Da mesma forma que aconteceu após o dilúvio, as melhores notícias serão trazidas por pombos, não por corvos. Antes que se iniciem as ocorrências apocalípticas, temos a oportunidade de rogar a Deus que nos dê graça, mansuetude e um espírito verdadeiramente columbino. “Paz na terra aos homens aos quais ele concede o seu favor.”
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texto meu que será publicado na próxima edição da revista Eclésia.

4 comentários:

`:_(°)~ Mεnos έ Mąis ~(°)_:´ disse...

Esse quadro que está pintando, dá razão a Freud, onde tudo acaba em sexo, e que a verdade do Evangelho é uma penúria e um fardo que só Jesus pôde carregar. A Bíblia é um manual de sobrevivência em todas as áreas, e resumir felicidade em sexo é muito pouco.

Venho aqui defender satanás ele não tem nada a ver com isso, e sim os pais e mães que não assumem o papel que lhes fora confiado por Deus; amar a esposa como Cristo amou sua Igreja: nem pensar; ser submissa a seu marido: nunca.
Se as mulheres procurassem entender que submissão não significa calar-se, omitir-se, só renúncia pessoal sob alguns aspectos. Vide Provérbios 31, estou falando quanto ao divórcio cristão por ter índice maior do que os demais.

O planejamento no estabelecimento de metas para a educação dos filhos que fica relegada à prostituta do lar a TV, investimento nos dons das crianças, constante avaliação da qualidade do ensino e ostensiva busca desta, desmascarar com sabedoria o que está sendo consumido como verdade e padrão através dos meios de comunicação, já seria um bom começo para a reversão dessa tela que está pintando com genialidade neste post.

Hoje, nos bailes funks as donzelas vão sem calcinha e tudo o que rola no meio do salão são fabriquetas de marginais, a liberação feminina transformou as mulheres que seriam as mater da célula em rainhas de bateria, sexo com mulher hoje ficou tão cansativo que os casais procuram variações o proibido continua sendo mais legal, infinito dura hoje, ano e meio.

Enfim, todos sabem a razão, mas, aí responsabilizo satanás, ninguém está preocupado em reverter esse quadro em nossos púlpitos, apenas apregoa-se muito dinheiro no bolso, e como pode haver vitória se os ossos continuam secos, pois o Espírito que dá vida e mente transformada, ainda não foi soprado para trazer inspiração.

Dos dois lados do Equador disse...

Acho que há um exagero: baile funk não é - necessariamente - o que está descrito no post anterior.

Acontece o que está ali descrito?

Claro que sim. Mas não é necessariamente. Não é regra. Baile funk - como os chamados cultões - é só diversão. E tudo é igual: o som alto, um monte de gente e muito hormônio borbulhando.

Da mesma forma isso acontece nos forrós, nos bailes da terceira idade, nos encontros onde rola muito Rock´n Roll e, claro e óbvio, nos santos púlpitos após o "culto" abençoado.

A culpa é das mulheres agora?

A culpa é minha. Eu sou pecado. Eu sou mundo. Eu sou homem.

Se há algo de errado no mundo, basta procurar no lugar certo: no coração.

Bjão,

Vando

Thiago Mendanha disse...

Ainda bem que não perdi esse texto por não assinar a Eclésia... rss

Grace and Peace, brother

Anônimo disse...

Sem dúvida o feminismo é contra vários valores cristãos prejudicando o relacionamento em vários aspectos e vou destacar somente um deles: a mulher, na expectativa de provar que pode produzir até mais do que o homem dedica-se demais ao trabalho e fica sem vontade de fazer sexo com o parceiro, porque não consegue desligar-se da rotina ao chegar em casa, inclusive querendo alugar o ouvido do homem, que só está interessado em sexo para poder acordar bem no outro dia e trabalhar normalmente. Devo ressaltar a minha opinião contrária ao autor que classificou o tema do aborto e outros como discussões inúteis.Pelo contrário são o divisor de águas para saber quem verdadeiramente não vai trocar Jesus Cristo pelo mundo.

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