16.1.08

A arte como expressão da Verdade

Muitos dos que consideram a arte como imagem da cultura ficam confusos quando se deparam com o resultado da produção artística nos dias de hoje. Se por um lado a arte pasteurizada não oferece mais nenhum desafio ao senso estético, por outro, o sucesso comercial ‘embaça’ a visão crítica, ao ponto de viabilizar excessos que noutra época seriam considerados como pura expressão do mau gosto.

Uma das explicações para este fenômeno pode se basear em uma breve contemplação do poder de vários monopólios, ao observar-se, por exemplo, a influência da indústria química, da energia elétrica, do petróleo, do aço, dos bens de consumo e da própria indústria cultural - esta última, se comparada às demais em números absolutos, é fraca e dependente. No entanto, por ser a arte uma interface entre a produção em escala e as emoções, é de se prever que qualquer manipulação fará dela uma poderosa via de acesso aos corações. A idéia presente é a de construir uma cultura artificial que possa ser utilizada não como veiculo de expressão, mas como um mero facilitador das relações de troca.

A dependência que muitos entes culturais nutrem em relação ao capital é também justificada pela necessidade de se tornarem players, formalizando uma confusa trama de interesses, onde tudo está de tal forma justaposto que as referências que diferenciam o que é bom ou ruim desaparecem.

Sobre esse assunto, no que diz respeito à religiosidade, ainda que esta tenha como princípio promover uma sensação de separação, é exatamente dentro deste ‘embrulho’ que é gerada a arte cristã contemporânea. Na prática, atualmente não há quase nada em torno da cristandade que se ocupe em promover uma santificação cultural. Pelo contrário. Setores da igreja avançam como bestas por sobre o pouco que restou na cultura dos humildes, disputando o controle das mentes, palmo a palmo com as grandes redes de comunicação.

Tal incômodo fica ainda mais agudo quando, freqüentemente, a tese de que a arte evangélica é culturalmente irrelevante é desmentida pelas estatísticas. O crescimento exponencial na quantidade de adeptos, o volume de recursos que aflui para os templos e até mesmo o refinamento das técnicas de produção fazem com que a arte na igreja - em especial a música e a literatura - seja amplamente percebida pela sociedade e pelo poder, não só em relação ao fenômeno social, como também no que diz respeito ao potencial de mercado.

Tal "relevância", já de antemão suspeita, transparece claramente a intenção de situar a manifestação divina no centro do aparato sensorial. A necessidade de, a todo momento reificar a experiência sobrenatural, objetiva ter nas mãos o que vender. Nesse contexto, a possibilidade de ordenar ou, como se diz no jargão comercial, "comandar" o ato divino foi transformada em coisa e trazida ao alcance das pessoas por meio da troca.

Diante deste cenário, a arte - seja ela cristã ou não - tem de ser impedida a qualquer custo de expressar a verdade e a sua beleza mais espontânea, sob risco de se inviabilizar o processo nefasto do comerciante. Tal qual os escravos que precisavam ser despojados de sua humanidade para serem vendidos como maquinaria barata, a arte também tem de ser ‘coisificada’, a fim de que o poder de compra exerça sobre ela influência total. Aos consumidores, por outro lado, é dada a ilusão do poder de escolha: tudo é feito de forma que, no final de cada processo, todos tenham os cabrestos cada vez mais apertados à boca.

A tragédia está no fato de que as pessoas estão sendo apresentadas a um fenômeno social como se este fosse a obra do evangelho de Cristo, ou seja, o pior de todos os enganos. Atualmente entendo melhor o amor e o respeito com que Jesus se relacionava com as prostitutas em contraposição à maneira severa com que lidava com os "caras", apesar de ambos cometerem erros: enquanto as prostitutas vendem seus corpos na ilusão de obterem alguma forma de sobrevivência, os lideres religiosos vendem suas almas com plena consciência da amplitude dos seus atos.

É bem verdade que, hoje, a arte cristã não é mais do que a isca desse processo. Na melhor das hipóteses, um mero ludicismo de todo este “fake social”. Mesmo assim, enquanto o amadorismo ainda representava quase que a totalidade da sua produção, pelo menos no que diz respeito à intencionalidade, ainda pairava por sobre a arte cristã o benefício da dúvida. Hoje, já não podemos considerá-la uma criança inocente. Há no meio evangélico uma saturação de artistas profissionais tecnicamente corretos, produzindo conscientemente um enorme volume de cultura "sem caráter e de personalidade neutra”. Tudo soa como uma grotesca poesia de retalhos e jargões sem sentido, contribuindo para que as pessoas tenham uma idéia errada do que é arte, do que é a cultura e, infelizmente, um péssimo conceito do que é ser um cristão.

Quando voltaremos a fazer arte como expressão da verdade?

Wagner Archela , no site Cristianismo Criativo.

Nenhum comentário:

Blog Widget by LinkWithin