A NOTÍCIA mais curiosa da semana, publicada no Blog da Redação do UOL Esporte, é a de que o Corinthians suprimiu, na sua numeração para a próxima temporada, a camisa 24. Não foi dada nenhuma explicação oficial para a decisão, mas qualquer brasileiro sabe qual é: o estigma vinculado ao número, que corresponde ao veado no jogo do bicho. Estamos no século 21, mas esse muro ainda não caiu.
Um dos personagens de 2007 foi Richarlyson, destaque do time são-paulino bicampeão nacional e volante eleito como o melhor da posição no Campeonato Brasileiro. O craque foi menos falado por seus feitos em campo do que pela polêmica em que se envolveu ao processar um dirigente palmeirense que o tachou de homossexual.
Que um cartola de um clube rival faça uma provocação idiota como essa até que se entende. O que não se admite é a sentença do juiz que julgou o processo e, além de inocentar o dirigente, emitiu um sermão contra homossexuais no futebol, segundo ele um "esporte para homens".
Mais absurda ainda é a relação da principal torcida tricolor com o atleta, o único dos titulares a não ter seu nome gritado nas arquibancadas antes do início das partidas. Segundo a revista "Placar", líderes da Independente dizem veladamente que não admitem "um jogador gay no São Paulo". Mesmo que seja um atleta que sua a camisa como poucos pelo bem do time.
Não é preciso ser versado em psicanálise para perceber que essa homofobia diz muito sobre as inseguranças de quem a ostenta. Quem não está seguro da própria virilidade se horroriza com o homossexualismo (real ou suposto) do próximo.
Lembro-me de uma coluna minha que suscitou reações furiosas de muitos leitores. Falava da proibição, pela diretoria palmeirense, das fotos que o atacante Oséas, então no alviverde, faria para uma revista gay (a mesma, aliás, para a qual Vampeta já havia posado nu).
Critiquei a ingerência indevida do clube na vida privada do jogador. Alguns torcedores mais exaltados me acusaram de querer ver Oséas pelado. Sem comentários. O que esses arautos da macheza incólume fingem desconhecer é que o homossexualismo no futebol é um fato tão antigo quanto a bola.
Consta que alguns dos craques mais identificados com uma atitude raçuda e viril tinham uma preferência pelo "amor que não ousa dizer seu nome". Isso não os tornava menos homens. É uma prática que provavelmente se intensifica com o regime de colégio interno das categorias de base, com as longas concentrações etc.
Em qualquer ambiente em que homens são confinados durante muito tempo -quartéis, prisões, navios-, as práticas homossexuais tendem a proliferar, mesmo entre indivíduos essencialmente heterossexuais. Mas, em defesa da própria virilidade ameaçada, é mais fácil negar esse fato. Abolindo a camisa 24, os clarividentes dirigentes corintianos pensam estar abolindo o homossexualismo. Então tá, nêga.
José Geraldo Couto, na Folha de S.Paulo.
13.1.08
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