14.1.08

Menos, por favor

Há quem diga que nossa "criatividade" nunca esteve tão cretina

Tenho recebido e-mails indignados com a qualidade do humor praticado na propaganda. Há quem diga que nossa "criatividade" nunca esteve tão cretina, seja porque banaliza assuntos sérios, seja porque enaltece a estupidez. Acho esse tipo de avaliação exagerado.

Houve um período em que eu também tendi à critica ácida da propaganda, atribuindo a ela todos os defeitos da alienação. Mas me policiei a tempo. Por uma razão muito simples: no fundo, no fundo, a cretinice é própria da propaganda, é o ponto de partida de todo raciocínio publicitário. Não por acaso, nem compulsoriamente, mas em comum acordo entre todos os envolvidos – anunciantes, agências e audiência.

Isso vale para todos os padrões de "venda" que se pratique através da comunicação de marketing. O simples fato de que, em propaganda, não há antítese, apenas a "síntese da tese", já explica muita coisa. O fato, por si só, já se constitui num aleijão retórico. Nem por isso a propaganda deixou de existir; pelo contrário, cresceu, se desenvolveu e se constituiu num dos negócios mais interessantes do mundo, almejada como profissão por mentes brilhantes.

Não há, portanto, que se cobrar da idéia publicitária a lógica, a coerência, a fundamentação que se exige dos enunciados filosóficos. Estes têm missões elucidativas a respeito das grandes questões humanas e se propõem perenes, uma espécie de bússola a guiar nossa atividade mental, enquanto a criatividade conceitual em propaganda esgota-se num plano de mídia, se desmancha no tempo como um brinquedinho barato, descartável.

Não há necessidade nem conveniência em aportar conteúdo intelectual, cuja densidade compita com o propósito ordinário da mensagem, a propostas que necessitam ser percebidas e metabolizadas em segundos por "todo mundo".

Naturalmente a propaganda não precisa ser má "de verdade", como a praticada por Goebbels na Alemanha nazista, mas ela pode ser "politicamente incorreta", sem nenhuma culpa, no melhor estilo praticado pela molecada que vive falando merda, mas que não necessariamente pratica merda; a grande maioria por sinal.

Este, para mim, é o cerne da questão: muitos de nós, que se acreditam donos de indiscutível discernimento, precisamos reaprender a separar bobagem do que não é. Eu fico muito preocupado quando algumas mentes, que se julgam donas de todas as verdades, começam a levar demasiadamente a sério assuntos que, por sua natureza, não são levados a sério pela própria sociedade.

Tive oportunidade de dizer durante audiências públicas em Brasília que se quisermos, efetivamente, amenizar, através de mensagens públicas, os efeitos nocivos da publicidade, primeiro temos que convocar um criativo publicitário para fazê-lo. Só um criativo publicitário é capaz de transformar esse briefing num produto de comunicação eficiente.

Os outros fatalmente vão fracassar. Porque o criativo publicitário, como ocorre nas lutas orientais, vai usar a mesma "força" do "inimigo" para combatê-lo. E só ele consegue isso porque foi ele quem criou o "inimigo". Não vai agir pressionado por assertivas de cunho moralista nem preconceitos de qualquer sorte; será apenas eficiente na sua liberdade criativa e na sua identidade com os outros. Exatamente: a diferença entre os "inquisidores" e os criativos está na clareza de compreensão sobre quem são "os outros".

Para o "inquisidor", "os outros" são uma definição acadêmica ou dogmática, enquanto para o criativo "os outros" são réplicas infinitas de si mesmo. Daí, a afinidade que faz com que suas mensagens sejam eficazes, seja para vender uma jóia de milhares de dólares, seja para um anúncio de varejo.

Antes de sair batendo nas idéias publicitárias que andam por aí, portanto, seria bom exercermos sábia humildade e avaliarmos se as coisas não serão assim exatamente porque é assim que têm de ser, do ponto de vista de quem está com a mão (e a cabeça) na massa. Quem critica o modelo criativo de propaganda praticado hoje em dia está apontando o dedo acusatório na direção errada: a propaganda talvez esteja apenas se baseando num padrão comportamental que se tornou mais medíocre. Não passa de conseqüência dele.

A propaganda é das poucas ciências que não se arvora a missão de inventar nada, quer apenas fazer-se compreensível. O que, por pior que a torne, é sua maior razão de existir.

Stalimir Vieira, no jornal Propaganda & Marketing.

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