Eu admiro você, Kaká. Desde sua estréia (não vou cravar “iluminada” aqui e você em breve entenderá por quê) naquela final do Torneio Rio–São Paulo de 2001, no Morumbi. Você surgiu naquela noite para o mundo, ainda como Cacá, com seu estilo de passadas largas, arrancadas velozes e chutes precisos.
Camisa 30, lembra? Com um número desses pregado às costas, aquele menino magro que sumia dentro do uniforme parecia o último dos reservas. Provou rapidinho, com dois golaços, que não era nada disso.
De lá para cá, você palmilhou o árduo caminho que separa a promessa da realidade. Ganhou a 10 do São Paulo, virou xodó da torcida. Depois, em sua irretocável trajetória de herói, viu aquele estádio que o tratava como rei se virar contra você. Estive num de seus últimos jogos com a camisa tricolor, contra o Internacional, no Morumbi, e vi você ser vaiado. E de modo injusto. O time perdia, mas você jogava bem, rasgava a grama para virar o placar e se despedir de casa com uma vitória.
Admiro você por conduzir sua carreira com competência, pela seriedade com que você pule, temporada a temporada, seu talento. Hoje você é o melhor do mundo, com todos os méritos. É a grande esperança brasileira para a Copa. E acaba de conduzir seu time ao posto de campeão do mundo.
Todo esse reconhecimento só me faz lamentar mais o fato de você ter doado o troféu de melhor jogador do mundo da Fifa à Igreja Renascer em Cristo. Não me cabe comentar sua religiosidade no âmbito pessoal. Mas, quando suas declarações se tornam públicas, e influenciam gente, sua fé vira pauta para reflexão.
“Apóstolo, eu amo o senhor e a bispa Sônia, que são meus líderes espirituais. Tenho aliança com vocês e com a Igreja. Por isso estou aqui.” Essa foi sua frase, Kaká. Você é bem informado e certamente não ignora que o casal Estevam e Sônia Hernandes está preso nos Estados Unidos, por evasão de divisas. E é acusado aqui no Brasil por lavagem de dinheiro, estelionato e sonegação fiscal, entre outras caridades.
Afora emprestar seu crédito pessoal a gente suspeita, ao doar à Renascer o símbolo de sua trajetória exitosa, você desautoriza quem considera que suas conquistas possam ensinar uma história de disciplina, trabalho duro, competência e superação. Ao contrário: você credita tudo à ajuda divina, a um destino que já estaria reservado a você. E que o máximo que teria de fazer para garantir é pagar um dízimo. Ou seja: você perde a oportunidade de inspirar outros a repetir seu vôo de cruzeiro, fruto do suor de sua testa e de sua boa cabeça, e passa a idéia de que é um ungido, e de que só é possível se dar bem na vida pela exegese neopentecostal.
Sabe o que me ocorre? Você passando uma semana num spa para corpos e mentes com Adriano, o Imperador. Isso faria um bem enorme a ele. Mas, tenha certeza, faria um tremendo bem a você também.
Adriano Silva, colunista da Época.
15.1.08
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