5.2.08

Bunda-molismo

Olhai, oh Senhor, os jovens nos postos de gasolina. Apiedai-Vos dessas pobres criaturas, a desperdiçar as mais belas noites de suas juventudes sentadas no chão, tomando Smirnoff Ice, entre bombas de combustível e pães de queijo adormecidos. Ajudai-os, meu Pai: eles não sabem o que fazem.

São Paulo não tem praças, eu sei. As ruas são violentas, é verdade, mas nem tudo está perdido. Mostrai a esses cordeiros desgarrados a graça dos amassos atrás do trepa-trepa, o esconderijo ofegante na casa das máquinas do elevador, as infinitas possibilidades da locadora da esquina, a alegria simplória da Sessão Corujão.

Encaminhai-os para um boliche, que seja, mas afastai suas bochechas rosadas dos vapores corrosivos dos metanóis. Pois nem toda a melancolia de um playground, nem todo o tédio de um salão de festas ou, vá lá, a pindaíba do espaço público simbolizada pelo churrasco na laje justifica a eleição de um posto de gasolina como ponto de encontro.

Tudo, menos essa oficina dentária de automóveis, taba de plástico e alumínio, neon e graxa, túmulo do samba e impossível novo quilombo de Zumbi. Que futuro pode ter um amor que brota sob a placa “troca de óleo, ducha grátis acima de 100 reais”?

Dai a essa apascentada juventude o germe da revolta. Incitai-os a atirar pedras ou pintar muros, a tomar porres de Cynar com Fanta Uva, tal qual formicida, por amores impossíveis, ajudai-os a ouvir músicas horríveis, usar roupas rasgadas, a maldizer pai e mãe, a formar bandas punk ou fazer serenatas de amor.

Eles têm todo o direito de errar, de perder-se, de ser ridículos. Só não podem, meu Pai, com as camisas para dentro das calças, pomada no cabelo e barbas bem feitinhas, amarelar a lira de seus vinte anos sob o totem luminoso das petroquímicas.

Salvai-me do preconceito e da tentação, oh Pai, de dizer que no meu tempo tudo era lindo, maravilhoso. Passei muitas horas molhando a bunda num ringue de patinação no gelo, ou vagando a esmo por shopping centers, aguardando a luz no fim do túnel de minha adolescência.

Talvez fosse a mesma coisa. Talvez exista alguma poesia em passar noite após noite sentado na soleira de uma loja de conveniência, em desfilar com a chave do banheiro e sua tabuinha, em gastar a mesada em chicletes e palha italiana. Explicai-me o mistério, numa visão, ou arrancai-os dali. É só o que Vos peço, humildemente, no ano que acaba de nascer. Obrigado, Senhor.

Antonio Prata, no Guia do Estado.

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