4.2.08

Escravos da ignorância

A luta pela liberdade feminina iria também se apoiar na própria Declaração de Independência, defendendo o direito de igualdade entre os sexos. Em 1848, na Convenção de Seneca Falls, quando Elizabeth Cady Stanton teve a coragem de pedir o empenho de todos para assegurar o voto das mulheres, Frederick Douglass foi o único homem de qualquer grupo étnico a se levantar para dar seu apoio. Ele dizia que se uniria a qualquer um para fazer o que fosse certo, e a ninguém para fazer algo errado.

Elizabeth escreveu depois palavras duras contra a Bíblia, na mesma linha de Douglass, afirmando que não conhecia “nenhum outro livro que ensine tão cabalmente a sujeição e a degradação das mulheres”.

Douglass não tinha boas coisas a dizer sobre os crentes: “Afirmo sem a menor hesitação que a religião do Sul é uma simples capa para os crimes mais terríveis – uma justificativa da barbárie mais estarrecedora, uma consagração das fraudes mais odiosas e um abrigo escuro onde os atos mais sombrios, imundos, grosseiros e diabólicos dos senhores de escravos encontram a mais forte das proteções. Se eu fosse de novo submetido às cadeias da escravidão, a par dessa escravização, consideraria ser escravo de um senhor religioso a pior calamidade que poderia me acontecer. [...] odeio o cristianismo hipócrita, parcial, corrupto e escravizador desta terra, defensor do chicote para as mulheres e saqueador de berços”.

Para ser justo, vale notar que grande parte do fermento abolicionista surgiu nas comunidades cristãs, especialmente entre os quacres do Norte. O livro “sagrado” em si, como se nota, não é garantia para nada, pois pessoas imorais conseguem justificar sua imoralidade com ele. No final das contas, o que importa é o caráter dos indivíduos, seus princípios e valores morais, independente do credo, da “raça”, do sexo ou da renda.

Justamente por isso a educação é tão fundamental. Não qualquer “educação”, mas uma postura crítica diante da vida, a vontade de questionar e conhecer. É preciso aprender a aprender. Deve se evitar qualquer tipo de doutrinação, de dogmas seguidos sem reflexão e questionamento.

Como escreveu Carl Sagan, “os tiranos e os autocratas sempre compreenderam que a capacidade de ler, o conhecimento, os livros e os jornais são potencialmente perigosos”. Afinal, eles “podem insuflar idéias independentes e até rebeldes nas cabeças de seus súditos”.

Lênin e Trotski consideravam as idéias como armas letais, e todas as nações comunistas buscaram o total controle sobre os jornais. A Inquisição católica contou com o Index dos livros proibidos.

Os senhores de rebanhos temem o pensamento independente, a grande ameaça ao seu poder. O controle sobre os corpos dos escravos não é suficiente. É preciso controlar as suas mentes também. Na verdade, controlando as mentes, nem é preciso coerção para comandar os corpos.

Os ignorantes que deixam o dízimo suado de seu trabalho nas igrejas do Bispo Macedo, por exemplo, fazem isso, até certo ponto, voluntariamente. Ninguém os obriga a isso. A imensa riqueza do Vaticano contrasta com suas mensagens de humildade que conquistam os mais pobres.

A maior escravidão de todas, como Frederick Douglass descobriu, é a ignorância. A chave para a liberdade é o conhecimento, obtido através da razão.

trecho de Da escravidão à liberdade, texto de Rodrigo Constantino.

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