27.2.08

Fé e má-fé

AS AÇÕES que o empresário Edir Macedo -direta ou indiretamente- inspirou contra a Folha e contra Elvira Lobato não constituem tentativa de atentado contra a liberdade de imprensa. Ofendem, porém, princípios básicos do direito processual e constitucional. Mostram, ainda, grave descompasso com as funções da inteligência, brinde de Deus aos seres humanos, ou, pelo menos, à maioria deles.

Comecemos pela não intimidade com o direito, em duas partes. Quem tenha sugerido dezenas de ações separadas, em comarcas diversas, trazendo petições iguais ou assemelhadas, descuidou-se da leitura das leis do processo. A cumulação de ações no mesmo juízo, que os autores não quiseram, também pode ser requerida pelos réus, como preliminar de suas alegações gerais.

O artigo 292 do Código de Processo Civil refere hipóteses da admissibilidade da cumulação em um só juízo. No mesmo código, o artigo 103 reputa conexas -e assim devem ser processadas num só juízo- duas ou mais ações cujo objeto ou a causa de pedir sejam as mesmas. É o caso típico dos processos aqui referidos. A segunda parte vem da jurisprudência sintetizada nas súmulas 37 e 227 do STJ (Superior Tribunal de Justiça): afirmam a cumulabilidade de ações como as aqui referidas, a permitir a unificação dos processos.

O uso inadequado da inteligência obriga a pensar no que teria inspirado os próceres dos autores a pensarem no esquema da avalanche de pedidos. Tentativa de atemorizar o jornal e a jornalista? Criar problemas funcionais para a defesa? Cercear a liberdade de expressão? Nesta última alternativa a inadequação teria ido ao absurdo de admitir que a essencial liberdade de culto também poderia sofrer a mesma ameaça, sem dizer que o artigo 220 da Carta, em seu parágrafo 2º, proíbe qualquer censura à divulgação jornalística, sob qualquer forma.

Por último: a questão nada tem de religiosa ou com sua liberdade de culto. Vincula-se a interesses comerciais, na luta que o empresário Edir Macedo move para ampliar sua presença no mercado das faixas publicitárias da televisão, o que é direito dele. Não assim para a opção adotada (engajamento de fiéis) para as ações, carregada de discriminação e de preconceito, quando o principal interessado se oculta por trás de terceiros em conduta que as leis do processo e as eternas podem caracterizar como conduta de má-fé. Má-fé.

Walter Ceneviva, na Folha de S.Paulo.

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