Os veículos brasileiros, como regra, elegeram o que chamam “isenção” como o terreno para instalar as suas fortalezas. Junto com a isenção, vêm a “neutralidade”, o “outro lado” etc, todas expressões que denotam um ponto de vista justo, equilibrado, frio, em relação às causas em conflito na sociedade. A escolha, sem dúvida, é correta. O jornalismo não pode ser parte interessada de disputas, vocalizando como opinião pública o que é, então, defesa de um interesse, seja econômico, político, ideológico, religioso...
Mas me permito apelar a Chesterton (1874-1936) — leiam, por amor à inteligência, Ortodoxia, que acaba de ser relançado pela editora Mundo Cristão — para considerar que “não ser parte” está longe de não ter lado. Numa passagem de espantosa simplicidade e lógica inquebrantável, o autor nos ensina que o bom “conservador” é, antes de tudo, um adepto da revolução contínua. Se você quer que o poste seja sempre branco, diz ele, será preciso pintá-lo constantemente, zelar pela sua limpeza. Ou ele será enegrecido pelo tempo, pelas intempéries. E conclui numa de suas construções muito típicas, encantadoras pela verdade simples, extraída de paradoxos: “Se você quer o velho poste branco, precisa ter um novo poste branco”.
Quais são os valores que, ainda que sejamos isentos e neutros, queremos preservar? As Farc são o “outro lado” das injustiças sociais da Colômbia? O terrorismo islâmico é o “outro lado” do, sei lá, sionismo expansionista ou da política externa de George W. Bush? Num outro plano, igualar os cartões de débito de São Paulo aos cartões corporativos do governo federal evidencia um compromisso com um princípio? Vale ainda a pena repintar de branco os postes de nossa civilização, de nossas instituições, ou devemos, como é mesmo?, dizer: "Tudo o que é sólido desmancha no ar"?
Não ter um partido quer dizer não ter um lado? O risco de ter um lado, para a democracia, é maior do que não ter nenhum, igualando desiguais para, então, preservar a nossa “independência”? Se digo que, à parte as diferenças, A e B são a mesma coisa, onde está o elemento que aclara a inteligência e nos faz avançar? Nas diferenças ou nas igualdades? Não se pode falar daquelas sem reconhecer estas, mas é perfeitamente possível evidenciar estas fazendo tabula rasa daquelas. Está aí uma das diferenças entre a inteligência e a estupidez.
Cobram-me alguns lobos em pele de cordeiro: “Prove a sua independência admitindo que tanto o governo federal como o governo de São Paulo estão errados.” Eu? De jeito nenhum! Esse parece ter sido o sentido moral da abordagem da reportagem e da manchete da Folha, que estou criticando, de que estou discordando.
Em primeiro lugar, não preciso provar nada. Minhas opiniões não podem causar mal a não ser a mim (“é tucano”; “é serrista” etc). Em segundo lugar, nego-me a ser tiranizado, para lembrar de novo Chesterton, por aquilo que era liberdade há 20 anos.
Explico: há 20 anos, o discurso da “liberdade” petista (sim, era farisaísmo) pregava a extinção de privilégios e a estrita moralidade da coisa pública. Duas décadas depois, o partido nos oprime com a máxima de que todo mundo é igualmente canalha: empenha-se menos em provar que não fez lambança do que em evidenciar que o adversário também fez. Reivindica um tribunal da igualdade instalado na lama.“Os homens sempre sofreram sob tiranias novas”, disse o pensador de há pouco. Não serei servil à tirania petista sob o pretexto de ser independente.
Reinaldo Azevedo, no site da Veja.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário