Doutora, sei que a senhora é a favor da pesquisa com tecidos retirados de embriões. Também sei que a senhora é judia e que o judaísmo (que não é só uma religião, mas também uma cultura e uma identidade nacional) não considera seres humanos os embriões e fetos. Até que ponto a influência de suas origens judaicas interfere na sua opinião sobre o uso de embriões? Faço essa pergunta porque as opiniões contrárias às pesquisas com embriões são freqüentemente desqualificadas por causa das influências do catolicismo.(Valquiria dos Anjos Guedes)
Cara Valquiria, muito obrigada por seu e-mail. No meu entender não podemos misturar ciência com religião. Mas antes de responder sua dúvida gostaria de esclarecer que sou favorável à pesquisa com células embrionárias. Não são tecidos retirados de embriões.
Defendo as pesquisas com células embrionárias de embriões até 14 dias depois da fecundação. Esse é o prazo aprovado na maioria dos países europeus que permitem essas pesquisas (embora nas clínicas de reprodução eles sejam congelados antes disso, entre três e cinco dias). Nessa fase não existe ainda nenhum tecido “a ser retirado”. São pré-embriões constituídos por um conjunto de células indiferenciadas. Só entre 14 e 15 dias depois da fecundação é que começam a se formar os folhetos embrionários que vão originar os diferentes tecidos.
O judaísmo valoriza a vida acima de tudo
De acordo com o rabino Byron L. Sherwin, a lei judaica considera um embrião humano uma forma de vida humana, mas não uma pessoa humana com proteção legal. Além disso, esse embrião precisa ter pelo menos 40 dias pós-fertilização e estar implantado no útero materno para ser chamado de embrião humano de acordo com o judaísmo.
Os embriões resultantes de fertilização in vitro, congelados nas clínicas de reprodução, entre 3 e 5 dias após a fertilização, não obedecem a nenhum desses critérios, e por isso não são considerados embriões humanos - de acordo com o judaísmo, muito menos pessoas humanas. Se no futuro poderão salvar vidas e curar muitas doenças, ao invés de somente tratá-las, essas pesquisas não só não devem ser proibidas como devem ser incentivadas, afirmam os religiosos. Segundo a ética judaica, curar doentes e salvar vidas humanas existentes é mais do que um dever: é uma obrigação.
Uma cultura e uma identidade nacional
Concordo com você, Valquiria: o judaísmo é muito mais que uma religião. Acabo de ler um livro do famoso médico americano Oliver Sacks, em que ele se declara judeu e ateu, do mesmo modo que existem judeus espíritas, budistas ou cristãos.
Apesar de judia e nascida em Israel, não sou religiosa e posso garantir que não é minha religião que influencia minha convicção sobre a importância das pesquisas com células-tronco embrionárias ou de outras posições bioéticas que defendo.
O que me move é a minha convivência de mais de 30 anos com pacientes prejudicados por doenças neurodegenerativas graves, muitas delas letais. Eles enxergam nessas pesquisas uma esperança, uma luz no fim do túnel. Ironicamente, minha equipe tem realizado pesquisas com células-tronco adultas com resultados muito promissores. Mas queremos ter a liberdade e o direito de fazer no Brasil todas as pesquisas que são realizadas nos laboratórios do primeiro mundo.
Mayana Zatz, geneticista, no site da Veja.
4.2.08
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