Outro dia alguém pinçou uma de minhas afirmações para afirmar que eu não acredito em milagres. A afirmação que fiz foi que Deus deseja fazer algo em nós, e não necessariamente por nós. De fato, representa muito do meu pensamento: a principal obra de Deus é a conformação da pessoa humana à imagem de seu Filho Jesus.
Mais do que fazer coisas boas em seu favor, Deus está comprometido em transformar você, ainda que isso custe deixar ou permitir que coisas ruins aconteçam durante esse processo de transformação. Deus não atua no ramo de “conforto para os fiéis”. Deus atua no ramo de transformação de pessoas à imagem de Jesus Cristo.
Daí a extrapolar que eu não acredito em milagres é um pulinho. Confundir a ênfase da minha teologia – “Deus faz em nós, e não necessariamente por nós”, com “Deus nunca faz nada por nós”, é até compreensível, embora incorreto.
Na verdade, o que pretendo dizer é melhor compreendido quando se dá atenção ao “não necessariamente”: Deus deseja fazer algo em nós, e não necessariamente por nós. Sublinhe o “não necessariamente”. Isso significa que Deus pode fazer e pode não fazer algo por nós em determinada situação. Quer dizer também que se Ele vai fazer ou deixar de fazer é imponderável, depende de muitas variáveis que extrapolam o nosso controle e entendimento. Acredito, portanto, que Deus sempre deseja fazer algo em nós, mesmo quando não faz algo por nós. Deus está sempre agindo para nossa transformação, mesmo quando não atua em nossas circunstâncias.
Por esta razão, minha conclusão é óbvia e simples: não devemos pautar nosso relacionamento com Deus na expectativa de que Ele faça algo por nós, mas na certeza de que Ele deseja fazer algo em nós. Quando Ele faz algo por nós, amém, quando não faz, amém também. O que não podemos permitir é que a expectativa de que Ele faça algo por nós nos deixe cegos ou imobilizados para o que Ele quer fazer em nós.
Quando o apóstolo Paulo disse que “todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”, deixou claro que “os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos”.
Em outras palavras, o bem daqueles que amam a Deus não é necessariamente a satisfação de seus desejos, providências para seu conforto ou fazer com que as coisas sejam como gostaríamos que fossem”, mas o “ser conforme a imagem de seu Filho”. O bem que Deus deseja para você não é circunstancial, é pessoal, íntimo e relacional: comunhão com você para que você seja cada dia mais semelhante a Ele, ou ao Filho dEle.
A maioria dos cristãos baseia seu relacionamento com Deus na dimensão “por nós”: o Deus de milagres, o Deus de poder. Alguns poucos baseiam seu relacionamento com Deus no “em nós”: o Deus de amor que nos constrange a viver para Ele e não para nós mesmos, onde viver para Ele implica sempre morrer para si mesmo, tomar a cruz e meter o pé na estrada.
O milagre é problema (ou solução) de Deus. A fidelidade é problema meu. Atuar em minhas circunstâncias é o imponderável do mistério de Deus. Atuar em mim é o essencial do propósito de Deus. Você escolhe a base de sua relação com Deus: aquilo que pode acontecer ou não – o milagre, ou aquilo que certamente acontece – a transformação.
Ed René Kivitz
19.2.08
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