Não consigo entender por que a universidade mantém certas fôrmas para as teses universitárias, que se repetem à exaustão, num tipo de formulação que muitas das vezes serve para desconversar sobre o tema, criando uma casca teórica que preenche o espaço das idéias originais.
Desse marasmo convencional e acadêmico escapa o livro "A Explosão Gospel". A autora Magali do Nascimento Cunha, membro da Igreja Metodista e pesquisadora, traça um elucidativo painel das transformações por que passou o universo do protestantismo no Brasil desde sua implementação por missionários norte-americanos no século 19. Conclui que, além da música, uma nova forma de relacionamento entre igreja e sociedade, a criação de um mercado próprio de consumo, resultou num novo modo de viver do protestante, que "resulta numa modernização de superfície".
Uma relativização da "ética protestante", já estudada pelo sociólogo alemão Max Weber, que nesse novo contexto redimensiona "a santidade puritana de repressão do corpo e valoriza a expressão corporal tanto no culto quanto nos espaços de lazer e entretenimento criados para os evangélicos".
Ao contrário da Igreja Católica, os protestantes, de forma geral, agregaram a tecnologia da comunicação -a "espetacularização da fé"- buscando a ocupação de espaços na televisão, no rádio e no mercado fonográfico: "Não há mais culto em igrejas protestantes sem eletrônica, e não há mais devoção pessoal sem a mídia", segundo a autora.
É interessante notar que esse movimento remonta aos anos 1950. Já nos anos 70, era comum encontrar grupos de jovens, com um visual hippie, entrando nos ônibus das grandes cidades brasileiras entoando canções protestantes; eram "os meninos de Deus".
Esse percurso é tratado de forma detalhada até a nova geração dos cantores gospel, que inclui uma ampla fauna, desde Mara Maravilha a Baby do Brasil -que fundou sua própria igreja- até os DJs de Cristo e os "adoradores", uma forma híbrida de músico e pastor.
Um pequeno exemplo desse movimento em direção à sociedade foi minha classe de composição na Universidade Estadual de Campinas (SP) nos anos 90, composta em quase sua totalidade por estudantes evangélicos, bancados por suas igrejas para que, depois de formados, nelas trabalhassem.
O livro identifica também uma "postura de superioridade cultural dos missionários protestantes estadunidenses", que rejeitaram incorporar a cultura popular brasileira -assim como fizera Lutero em relação à cultura alemã-, para concluir que todo esse movimento preserva ponto básicos do conservadorismo protestante: os dualismos igreja/mundo e sagrado/profano e o sectarismo, o antiecumenismo, o clericalismo e o antiintelectualismo.
"A Explosão Gospel" é um livro essencial para entender o fenômeno dos evangélicos, suas estratégias e formas de relacionamento com o mundo de hoje. Um exemplo de pesquisa que não patinou no limbo do academicismo.
Livio Tragtenberg, na Folha de S.Paulo.
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colaboração: Carlos Eduardo Pereira
12.2.08
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Um comentário:
na verdade, a igreja sempre usou a mídia (o papel).
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