23.2.08

Tanto de meu estado me acho incerto

Publico a seguir um clássico soneto de Camões. “Um clássico é um clássico”, diz Ezra Pound, “não porque se conforme a certas regras estruturais, ou porque se adéqüe a certas definições (das quais o seu autor, bem provavelmente, jamais ouviu falar). É clássico por causa de certo frescor eterno e irreprimível”.

Esqueça-se o leitor de que se encontra ante um clássico, e mesmo ante um soneto, e o leia como se fosse pela primeira vez, e como se tivesse sido escrito ontem. Pronuncie-o em voz baixa e lenta. Deixe entrar cada verso, cada palavra, cada sílaba, cada letra com todo o seu peso ou a sua leveza em seu ouvido, pausando de acordo com as sugestões do verso. Passe por cima do que não entender imediatamente. Leia-o todo. Depois o releia várias vezes, para compreender e apreciar cada vez mais: para fazê-lo seu.

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que, em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio;
O mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao Céu voando;
Numa hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.

Luís de Camões

fonte: blog do Antonio Cicero

Um comentário:

luciana disse...

Só podia ser dele. Meu preferido.

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