11.3.08

Geração bunda-mole

― O mover de Deus está aqui. Nada pode impedir você de sentir o fluir e o derramar da unção. Olhe para o irmão do seu lado e diga: “Resisti ao frio e ele fugirá de vós”.

Participar dos cultos em determinadas igrejas é um programa que exige alto grau de paciência e resignação, qualquer que seja a estação do ano. Raras comunidades mantêm-se imunes aos maneirismos e frivolidades do dialeto gospel no “momento da adoração”.

Outro expediente infalível para provocar bocejos é o recorrente saudosismo dos “bons tempos” da música cristã. Em todos os lugares, há tiozinhos de barriga protuberante repetindo que “naquela época o louvor era genuíno, sem a superficialidade de hoje”. Zzzzzz...

O que existe no hiato entre o discurso seboso que enaltece a década de 70 e essa geração que introduziu mantras e lamúrias no louvor? O expediente de encontrar culpados para eximir nossa própria culpa é de pouca valia na hora da reflexão. Se os heróis do Cazuza “morreram de overdose”, ainda mais complicada é a situação de quem encontra escassos referenciais para pautar seus sonhos.

Ignorados ou tratados como imbecis pelo meio editorial, os jovens encontraram na internet alguns expedientes para suprir essa “orfandade”. Na declinante indústria fonográfica gospel, poucos sobrevivem aos 15 minutos de fama preconizados por Andy Warhol. Mesmo assim, a aspiração ao estrelato consome a energia e o tempo de milhares de “levitas”. Claro que devidamente camuflada sob o discurso de “Deus me chamou para evangelizar através da música”. Infelizmente, poucos são vocacionados para interagir nas universidades e nos pólos culturais.

Em consonância com a poesia de Gilberto Gil, a alma de boa parte dos que pululam nos palcos musicais eclesiásticos “cheira a talco”. Necessário lembrar o outro adágio que apregoa não ser nada confiável o bumbum dos bebês. A alternância de odores sinaliza que é hora de trocar as fraldas e fazer a devida assepsia.

Líderes de todo o país sofrem nas mãos do que convencionou-se chamar de “sensibilidade dos músicos”, eufemismo para escamotear a constante contrariedade a qualquer tipo de ingerência. Se um número especial da galera é cancelado, imediatamente o grupo é banhado pela “unção do beicinho”. Fraldas cheias de novo.

Pressionados pela concorrência do vestibular e pela conquista ainda mais difícil de uma vaga no mercado de trabalho, muitos sucumbem à indolência macunaímica. Os males do sedentarismo são bem conhecidos. Desnudar a juventude evangélica de hoje revela as nádegas flácidas de uma geração que parece ter saído do nada e caminhar para o lugar nenhum. Ao contrário do filho pródigo da parábola, a herança que os jovens receberam da geração que os antecedeu não foi suficiente para grandes viagens. Em todos os sentidos.

Blaise Pascal falava em duas alternativas: desistência por meio da covardia ou o escape, por intermédio do orgulho. Será que não há luz divina no fim desse túnel?

“Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética”, dizia o Che Guevara. Será que depois das gerações hippie e Coca-Cola teremos a geração H2OH, cujo conflito de “identidade” a confina em uma zona indefinida entre ser água ou refrigerante?

O conselho de Nelson Rodrigues é bem conhecido: “Jovens, envelheçam”. Minha recomendação é assaz diferente: rebelem-se. É hora de assestar contra a mediocridade reinante no meio do rebanho, contra a lassidão intelectual, contra as cassandras transmissoras do germe da culpa, contra o abuso de líderes tiranos, contra a indigência artística e até contra minhas diatribes.

Dono de lentes argutas e dramáticas para observar o mundo, Caio Fernando Abreu registrou um laivo de esperança que, a despeito de tudo e de todos, joga para escanteio minha angustiante sensação de impotência. “Continuo a pensar que quando tudo parece sem saída, sempre se pode cantar. Por essa razão escrevo.”

texto meu (SP) que será publicado na coluna PavaZine# na próxima edição da CristianimoHoje. Para a revista, optei pelo título "Rebeldes sem calça". =]

17 comentários:

Anônimo disse...

Excelente.
Texto que nos faz não somente refletir no atual estado das coisas como dá uma vontade tremenda de sair transformando o que está ao nosso alcance.

Abrçs.

`:_(°)~ Mεnos έ Mąis ~(°)_:´ disse...

Verdade.
D+
Só que pecado de rebeldia é como pecado de feitiçaria, está escrito.
Substituiria rebele-se por reboliço, faça um reboliço como no Vale de Ossos Secos.

Maya disse...

Aff... rebeldia contra o comodismo, não contra autoridades ou contra Deus, né, meu povo! Nam! Quer maior rebelde que Cristo? Mais subversivo que ele, tá difícil! ^_^

Cara, você sabe muito, escreve muito e parece crer muito também! Tow virando fã! Tow até pensando em imprimir esse post e ler com a galera da equipe de louvor lá da igreja! Não que o babado lá seja muito complicado, pelo contrário... mas uma injeção de perfeccionismo de vez em quando ajuda um bocado!

Anônimo disse...

Nada a ver com o texto, mas sugiro uma enquete revolucionária: Quanto tempo por dia você gasta em oração? Essa vai doer acho que na maioria de nós.

Mauricio Domene disse...

Boa!!

Tomei a liberdade de replicar no grupo de discussão MMC (Música e Músico Cristão) do Yahoo:
http://br.groups.yahoo.com/group/mmc

Vai da um bom caldo :-)

Abraços

Anônimo disse...

Querido Pava

Há luz no fim do túnel, sim.
Quando lermos na Bíblia sobre o que Deus chama de louvor e louvarmos do jeito que Deus quer, e não o que os homens acham que Deus quer...ohhhhh amazing grace! Que doces louvores se ouvirão!!!

Alzira

Anônimo disse...

É bem por ai mesmo, infelizmente é.

Sobre a "geração baby", as próprias letras das músicas revelam o "conteúdo" das crianças. Que de forma mimada insistem em bater os pézinhos e como bebês ranhentos e cagados choram, gritam, rolam no chão pedindo "de volta o que é deles".

Acredito que a verdadeira revolução é aquela que começa dentro do homem, logo Sergio fico triste em saber que esperar desses muitos jovens uma atitude revolucionária é como esperar pela volta dos que nunca foram hehe. =P

Realmente é complicado...

Anônimo disse...

Sugiro a leitura da matéria de capa do caderno Eu & Fim de semana, do Valor Econômico de hoje (14/3). O título é: Um ano que já acabou?
A matéria pega o gancho da nova edição (atualizada, inclusive com novo título) do 1968 - O Ano Que Não Terminou do Zuenir Ventura.
Alguns depoimentos interessantes:

- Fernando Gabeira: "Não há mais espaço para a ingenuidade; hoje, as grandes revoluções passam por ações práticas e menos utópicas";
- Antonio Cícero, comentando a frase de Dylan de que hoje, ninguém tem mais o desejo de sonhar: "Acho que as pessoas querem sonhar e sonham. O que não há mais são os sonhos coletivos, o que é melhor, pois a maior parte dos sonhos coletivos é, na verdade, os sonhos que alguns sonham e tentam impor a outros";
- Caetano Veloso, ao ser questionado sobre o surgimento de uma outra geração semelhante à de 68: "Para ser parecido com aquilo, tem de ser muito diferente daquilo".

Abraços e, não esqueçam de visitar o Portal Cristianismo Criativo (www.CristianismoCriativo.com.br). Lá tem vários textos do Apóstolo Pavarini... 8-P

Unknown disse...

O texto foi tudo que eu penso há muito tempo, quando digo que não gosto de cantorinhas miando...encontro os meus críticos...Que o Senhor nos aprimore o entendimento e a capacidade crítica de louvá-lo verdadeiramente, autenticamente...não essa coisa agua com açucar que por aí chamam de louvor. Pelo sim e pelo não, e pela falta de melhor alternativa, fico com o Cantor Cristão....que é muito melhor.

Ivan Cordeiro disse...

Olá

Parabéns pelo texto

Divulguei no site www.bomlider.com.br

Abç

Anônimo disse...

MUITO BOM,
SOU SEU "FÃ",
CONTINUE ASSIM, COM CLAREZA E SEM
MUITAS PAPAS NA LINGUA..
Dios te bendiga

ps.: voce conhece o "oneday' do passion, se não mando pra vc?

Joel Jr. disse...

Ler seus textos me estimulou a criar um blog e publicar os meus. Vozes como a sua, por mais heterodoxas que sejam, precisam ser ouvidas e suas mensagens ponderadas. A juventude evangélica precisa despertar desta letargia sufocante que a impede de ser um sinal do Reino de Deus neste país.

Um abraço.

Anônimo disse...

Você está vivendo a vida da igreja ou já saiu faz tempo? É daqueles que fica aos domingos no bar bebendo ou ainda mantem comunhão com o corpo? Quer ser pós-moderninho e revolucionar, mas espero que esteja mantendo comunhão com Deus em oração! Ai daqueles que mexem com a noiva!

Ze´ev Hashalom disse...

Ouvindo o "louvor" contemporâneo nas igrejas, a impressão que sinto é que conseguiram transformar Deus em um "grande brega" que está sendo obrigado a se render aos gemidos de clemência apaixonada de seus "adoradores" equivocados... Estou fora, meu...
Sugiro a leitura do excelente livro: IMAGINÁRIO EVANGÉLICO E CONTEMPORANEIDADE,recomendando a leitura do Tópico Fenomenologia do "Louvor" Contemporâneo. Excelente !! Contato: zeevhashalom@gmail.com

ricardo f. silva disse...

Apóstolo Pavarini! Mudai nossos corações e canções! he

Abraço!

Unknown disse...

Realmente muitos estão cansados dessa mediocridade. Espero fazer parte dessa revolução!

Unknown disse...

e ai pava... peço sua permissão para publicar esse texto no meu blog haunholter.blogspot.com

excelente texto.

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