Existe um jornal em Búzios que talvez seja único no mundo. Tudo nele é totalmente original. Chama-se O Peru Molhado e está completando bem mais de uma década de existência, ainda que "aos trancos e barrancos", como seus diretores mesmo fazem questão de informar.
O modestíssimo slogan do jornal é "O New York Times de Búzios", devidamente batizado por um dos editores do diário novaiorquino, Bill Shorts, impressionado com não sei o quê, como diria um dos mais ardorosos fãs do jornal, Anselmo [sic] Gois. Mas é verdade: o slogan é do gringo.
O Peru Molhado segue a trilha aberta pelo jornal A Manhã, de Aparício Torelli, o Barão de Itararé, e o sempre lembrado O Pasquim, embora tenha características muito especiais.
Um exemplo? O expediente tem dezenas de nomes de gente muito importante. Mas alguns deixaram de colaborar com o jornal ou até se desentenderam com a, digamos, "linha editorial". O jornal simplesmente mantém o nome da pessoa, mas risca com uma linha vermelha.
Em toda história da imprensa não há registro de nada semelhante. A sede e redação tem um letreiro grandioso, em enormes letras góticas, voltado para uma das ruas mais movimentadas de Búzios. Mas não se iluda com a imponência do letreiro, é quase impossível de se encontrar alguém por lá.
Diz o editor-chefe Marcelo Lartigue, um argeoca (mistura de argentino com carioca), dono de um sotaque incompreensível, que a ausência de pessoas na sede do jornal é saudável, pois significa que os representantes comerciais estão na rua buscando anúncios e os repórteres conseguindo notícias. Não há secretárias nem recepcionais (para que?) e ele – diretor – se não estiver no bar fazendo relações públicas está em algum banco conseguindo dinheiro para imprimir o heróico periódico. Que, aliás, consegue ser totalmente regular. Sai toda semana. Sem ninguém saber como.
Se algum anunciante quiser usar as vibrantes páginas do O Peru Molhado para falar das excelências do seu produto ou serviço, terá que conseguir o celular do editor-chefe e ainda assim deixar um recado na secretária eletrônica. A possibilidade de ter um retorno é mínima, mas também não é tão fácil assim anunciar no New York Times ou no Estadão. Há que se lutar pela honra de ter um anúncio publicado no Peru. Tal como no falecido e pranteado O Pasquim, o jornal tem sempre uma epígrafe no alto da página.
A diferença entre o Pasquim e o Peru Molhado é que neste último geralmente só uma ou duas pessoas entendem seu significado. Por exemplo, numa das últimas crises a Gráfica Ediouro resolveu dar uma ajuda especial e rodou o jornal na base da permuta. A edição saiu com um agradecimento: "Valeu, Ediouro!". Ninguém entendeu nada. Mas o recado foi dado.
No Carnaval, que, aliás, não segue o calendário do resto do mundo, pois para o jornal "Carnaval é sempre", há um bloco do Peru Molhado, com uma representação da ave em madeira, devidamente carregada por uma comissão de frente "ricamente paramentada" com um manto indefinível, que lembra vagamente uma opa de irmandade religiosa. Com um toque etíope. O bloco sai várias vezes ao ano, em comemoração a datas importantes, como qualquer uma.
Para dar sonoridade ao desfile, há uma picape vintage (entre 1968/1975) equipada com um sistema de som também de época, que emite uma barulheira infernal. Tudo devidamente acompanhado por uma bateria "ao vivo" e "puxadores" que entoam (???!!!) o hino do jornal.
O mais interessante é que na Páscoa, 7 de setembro ou outras datas religiosas e cívicas, a mesma troupe, com a mesma roupa, sai às ruas. Na última vez foi uma inacreditável "procissão leiga" que com o mesmo aparato, a mesma formação, a mesma música, saudou "São Peru", uma entidade pagã cuja origem se desconhece.
Esse desfile foi para comemorar a entrada do jornal no "Guinness", o livro dos recordes. Acontece que O Peru Molhado mandou imprimir alguns jornais com o tamanho de dois metros por três, para ir para o "Guinness" como "o maior jornal impresso do mundo". O recebimento do certificado foi comemorado com esse desfile, para espanto das centenas de turistas que estavam em Búzios desembarcados de três imensos navios ancorados ao largo.
Quem quiser ver o maior jornal do mundo, conhecer a imagem do Peru e ler o certificado do "Guinness" pode ir ao Espaço Cultural A Quenga, de propriedade do Ricardo Amaral e com apoio institucional do Peru Molhado. Aliás, na Quenga está exposta também a maior prancha de surfe do mundo. E foi na Rede Globo que um dos colaboradores do jornal confidenciou que o jornal havia feito esta edição gigantesca somente para aparecer. Como ele mesmo afirmou ao microfone: "Peru só aparece quando cresce".
Entre os padrinhos do Peru, além do editor do New York Times, estão algumas das maiores personalidades brasileiras devidamente reverenciadas no expediente do jornal. Fora os riscados em vermelhos. Estes estão fora do Peru.
Lula Vieira, no Propaganda & Marketing.
10.3.08
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário