Quarenta anos depois, os acontecimentos de 1968 ainda são um marco para todos que vivemos boa parte de nossas vidas no século XX. O ano que “não terminou”, no dizer do provocante livro de Zuenir Ventura, representou um momento de rupturas e propostas novas que até hoje constituem referências no comportamento, na ética e no pensar ocidental.
A revolução trazida pelos acontecimentos de 40 anos atrás possibilitou repensar a política em termos mais abrangentes, para além dos limites dos partidos e das divisões bipolares do mundo entre campos necessariamente opostos. A arte da intervenção na polis ganhou asas mais potentes e contagiou segmentos sociais nunca antes tocados.
Embora não tenha chegado a constituir o imaginário hegemônico que poderia delinear um novo modelo de estado, 1968 representou, em termos mundiais, uma nova maneira de ser humano e um novo perfil do ser humano como animal político.
Em termos comportamentais, foi o ano da oficialização da revolução sexual, da liberação dos costumes. O movimento hippie estava no auge, com seu lema “faça o amor, não faça a guerra”. A juventude recusou o mundo legado por seus pais, encharcado do sangue de duas guerras mundiais, da tensão da guerra fria e do assassinato em massa na guerra do Vietnam. E o caminho que encontrou para seu protesto foi redescobrir a natureza, a liberdade das relações sexuais, o sexo sem conseqüências, garantido pela pílula anticoncepcional que as mulheres passaram a tomar para evitar a gravidez indesejada.
As relações interpessoais conheceram profunda mudança. O ano de 1968 foi marcado pela rejeição a todo autoritarismo e totalitarismo, afetando a interlocução e o diálogo entre gerações e estamentos da sociedade. Pai e filho, patrão e empregado, superior e subordinado viram seus papéis afetados e invertidos, substituídos pela subversão indignada em vez da submissão e da ordem que até então vigorava.
Com relação à religião, e sobretudo ao cristianismo que há 40 anos ainda era hegemônico, houve igualmente uma reviravolta na forma de viver a fé e a adesão religiosa. O concílio Vaticano II, terminado em 1965, sopro de inesperada primavera dentro da Igreja católica, instituía uma reforma litúrgica, devolvia a Bíblia às mãos dos fiéis católicos e abria as portas ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso.
A Igreja se autocompreendia como perita em humanidade e defendia a positividade de um mundo e de uma terra até então olhados de soslaio, como inimigos da pureza e das coisas do espírito. A inserção da autonomia no cotidiano introduziu profundas mudanças nas relações dos fiéis com a instituição eclesial, fazendo com que o desejo e a consciência fossem as últimas instâncias que regem o caminho de adesão e compromisso religioso das pessoas e não a norma institucional ou moral, ou a verdade dogmática.
Hoje, ainda vivemos das corajosas inovações que naquele ano nos foram propostas. Mas diante dos novos paradigmas que configuram o tecido social e eclesial no momento atual, somos convidados a resgatar o principal dessa novidade aí proclamada, ficando com o melhor que ela nos oferece.
Que 1968 seja para nós um ano que não terminou. Não enterremos todas as positivas conquistas que nos trouxe. E saibamos criticar e corrigir os desvios e excessos que vieram com essa revolução como com tantas outras.
Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
1.4.08
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