27.4.08

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Antonio Prata tem um texto engraçado em As Cem Melhores Crônicas Brasileiras sobre os “meio intelectuais, meio de esquerda” que tagarelam em botequins e se consideram incompreendidos pela sociedade moderna. Hoje há uma espécie nova, os “meio intelectuais, meio de direita” que marcam a blogosfera. De qualquer modo, há muitos blogs cientes de sua natureza – conversa, conversa – e que vão muito além do diário palpiteiro, como More Intelligent Life, que faz jus ao nome. Alguém vem e escreve, digamos, um artigo sobre sua obsessão pela literatura de Thomas Bernhard, e os comentários levam o assunto diante. No caso, por rara felicidade, os comentaristas também leram Bernhard antes de opinar...

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Sei de pessoas que se dizem suficientemente informadas apenas ouvindo rádio no carro e lendo uma revista semanal de notícias ou análises. Ilusão. “O jornal é a oração matinal do homem civilizado”, dizia Hegel, e continua a ser. Ler de 15 a 30 minutos antes de sair de casa é essencial não só para a informação, mas também para a formação. Fico pensando, eu que li os clássicos de Economia e a estudei na faculdade, quanto aprendi a mais sobre o assunto lendo em jornais ou revistas os artigos de Mario Henrique Simonsen, Celso Furtado, Roberto Campos ou Paul Singer, para citar tendências ideológicas diversas.

Afinal, mesmo que os jornais diários em papel venham a sumir (ou virem quase-revistas no aspecto físico), lê-los no computador também será obrigatório. Afinal, o excelente site do The Guardian é escrito também com sintaxe, parágrafos, títulos e hierarquia editorial, não? As redações virtuais também só crescem, embora a profecia fosse a de que todo mundo iria trabalhar em casa. Ainda bem, pois isso favoreceria demais o jornalismo de gabinete, que não vai para a rua, não tem prática e não é obrigado a ser isento e plural.

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No Brasil ainda não se entende direito esse novo velho mundo da informação comentada. É comum ouvir que jornalistas só deveriam transcrever os fatos (como se houvesse um único e puro modo de fazê-lo) e não emitir opiniões (que não são o mesmo que palpites ou achismos). Só se esqueceram de avisar aos leitores... O bom leitor gosta de jornais com identidade, a qual é muito definida por seus critérios de edição (primeira página ou não, matéria grande ou não, abordagem, etc.) e por seus colunistas. Ele não gosta é da imprensa que força a barra, como se vê especialmente na TV nesta cobertura do caso Isabella, em que qualquer relato impreciso e impressionista é levado a sério.

Há ainda essa classe de ideólogos que sonham com o poder público a mediar o debate da sociedade, como se o Estado tivesse um papel virtuoso. É isso que está por trás dessa conversa sobre a “função social” dos meios de comunicação, que é hilária num país onde tantos veículos pertencem a políticos e onde publicações financiadas por estatais se dizem “independentes”. O livro de Eugenio Bucci, Em Brasília, 19 Horas (Record) – título que se refere à abominável Voz do Brasil, um dos muitos resquícios de tempos ditatoriais –, deixa isso muito claro. E as primeiras informações sobre a TV Lula, digo, a TV Brasil, de que palavras como “dossiê” seriam vetadas, só confirmam o que se previa. Ainda mal chegamos ao iluminismo de papel.

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Cada jornalista tem seus heróis. Sergio Augusto, um dos meus, sempre cita I.F. Stone e Murray Kempton. Outro dos meus, Paulo Francis, citava Bernard Shaw, George Orwell e George Jean Nathan. Eu acrescentaria Karl Kraus, que sozinho escrevia um jornal inteiro com artigos, críticas e aforismos, e H.L. Mencken. O que há em comum entre eles? Eram humanistas, não importa com qual simpatia política, e acreditavam em dar o melhor de si na concatenação de fatos e idéias. Não economizavam na distribuição de cultura e jamais faziam concessões em sua independência. Acima de tudo, acreditavam no poder da palavra escrita para ler a história e conquistar um espaço na mente dos leitores. Hoje ou nos tempos de Dickens, bom jornalismo é fazer o esforço de não ser descartável, sem cair na pretensão de ser definitivo.

Daniel Piza

“Meio intelectuais, meio de direita” na blogosfera. Inclusive no meio cristão.

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