Não deixa a tua cozinheira, senhora do sabor e da arte do saber – o que convém à mesa –, perdurar como incidadã analfabeta. Escolhe a escola.
Sabes aquele garoto junto ao sinal vermelho que te cessa o trânsito da vida? Aquele acrobata amador que faz bailar sobre a cabeça meia-dúzia de bolas ou garrafas? Não dê a ele esmolas, abra-lhe horizontes, aplaca-lhe a fome de humanidade. Escolhe a escola.
Se empregas um jovem de cujo trabalho recebes teu bem-estar, não o deixes absorvido a ponto de impedi-lo de ler, aprimorar sua cultura e seu preparo intelectual. Escolhe a escola.
Não te entregues à ociosidade inútil de tua aposentadoria, teu tempo absorvido por programas televisivos de mero entretenimento, os dias a escorrer céleres a apressar-te a velhice, como se as folhas despidas no outono não mais retornassem no vigor da primavera. Escolhe a escola.
Se enfrentas a atroz dúvida de como presentear os mais jovens, sem a certeza de que haverás de agradá-los, invista no futuro deles, não dês embrulhos, e sim matrículas. Escolhe a escola.
Evita que a tua mente se entorpeça por falta de uso ou uso rotineiro de tuas ocupações habituais. Amplia a tua visão, aprende um idioma ou a tocar um instrumento musical, matricula-te no curso de trabalhos manuais ou na oficina de cerâmica. Escolhe a escola.
Há por toda parte muitos cursos que ultrapassam os currículos convencionais, de culinária e bordado, ikebana e yoga, natação e tai chi chuan; cursos por internet e TV, correspondência e manuais de autodidatismo. Escolhe a escola.
Se encontras um adolescente no meio rural, entregue precocemente à labuta diária, sem outra cultura senão a que deriva de seus afazeres e da convivência com os guardiães da memória local, ajuda-o a aprender que o mundo é mais vasto que a sua aldeia. Escolhe a escola.
Todos temos algo a aprender e ensinar. Não guardes para ti os teus conhecimentos, as tuas habilidades, tantas informações a adularem tua auto-estima. Socializa-os, divulga-os, partilha com o próximo o teu saber. Escolhe a escola.
Se tens tempo livre e podes trabalhar como voluntário, animando crianças em seus deveres escolares, treinando jovens em suas habilidades profissionais, entretendo idosos com as tuas histórias e leituras, não deixa enterrados os teus talentos. Escolhe a escola.
Se freqüentas ou tens contato com uma escola, procura fazer com que ela dialogue com outra escola, troque experiências e conhecimentos, intercambie alunos e professores, tornando-se escolas irmãs. Tece entre elas uma rede solidária. Escolhe a escola.
Saibas que todas as crianças e todos os jovens envolvidos com criminalidade estão fora da escola; e muitos são trabalhadores precoces, desprovidos de infância e juventude, direitos trabalhistas e salário justo. A favor de uma nação saudável, de cidadania plena, escolhe a escola.
Ao escolher a escola, luta para que todos tenham acesso a ela, e que o ensino seja repartido gratuitamente como os raios solares. Empenha-te para que a escola seja de qualidade, os professores bem preparados e remunerados, as instalações adequadas e limpas, os recursos fartos, os equipamentos atualizados. Mas escolhe a escola.
Não se faz cidadania sem escolaridade, nem democracia sem cultura centrada nos direitos humanos e na prática intransigente da justiça. Não se aprimora o humano sem ética e valores infinitos enraizados na subjetividade. Escolhe a escola.
A escola nem sempre se resume a uma construção retalhada em salas de aulas, preenchida por alunos devidamente matriculados. Faz-se escola sob a tenda indígena ou a lona do assentamento, no quintal de casa ou na sala de uma igreja, na garagem ao lado ou no cinema cedido às aulas matinais. Escolhe a escola.
Doenças endêmicas, como a dengue ou a febre amarela, a leishmaniose ou a xistosomose, seriam facilmente evitadas se as pessoas tivessem suficiente educação para cuidar da higiene de si e do ambiente em que vivem, dos artefatos que manipulam e dos alimentos que consomem. Escolhe a escola.
E ao escolher a escola, não permitas que em torno delas os políticos inflem seus discursos demagógicos. Exige deles – nossos servidores públicos – compromissos efetivos e assinados, de modo que a educação, de qualidade e para todos, seja considerada prioridade neste país. Ao votar, escolhe candidatos comprovadamente empenhados em transformar o Brasil numa imensa escola voltada ao fortalecimento da cidadania e ao aprimoramento da democracia.
Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotscho, de Essa escola chamada vida (Ática), entre outros livros.
26.4.08
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