Às vésperas de completar 80 anos, Antônio Delfim Netto continua trabalhando intensamente naquilo em que se especializou nos últimos 40: influenciar a política econômica nacional e, de quebra, alguns presidentes da República. Como ministro, trabalhou para três, todos da ditadura militar, ou do “regime autoritário”, como prefere dizer. A saber, Costa e Silva, Emílio Médici e João Figueiredo. Extra-oficialmente é difícil precisar quantos requisitaram seus conselhos. A lista é longa e inclui o atual ocupante do Palácio do Planalto.
No começo de março, pouco antes de o governo lançar um minipacote para conter a valorização do real, Delfim esteve com Luiz Inácio Lula da Silva e um grupo de economistas. Ele disfarça. Diz que falaram do Corinthians.
De Lula, é só “inteligência privilegiada”, “salvador do capitalismo brasileiro”, “Darwin andando”. São alguns dos epítetos que lançou sobre o atual presidente. Já em relação ao antecessor, que conhece há meio século, Delfim exercita sua capacidade ofídica. “O tempo que (Fernando Henrique Cardoso) poderia ter aproveitado para fazer o desenvolvimento, ele aproveitou para se reeleger. E o que é pior: pra nada. Porque o segundo mandato foi mais lamentável que o primeiro.”
Paradoxos marcam a oitava década de vida de Delfim. O corpo em formato de pêra, as mãos bem cuidadas, o cabelo retinto, o bom humor e o estrabismo são os mesmos. Mas o ex-belzebu da esquerda é agora conselheiro de um presidente petista, dá longa entrevista para o blog do Zé Dirceu e chega a elogiar Karl Marx em artigos. Defende, com ênfase, os programas de transferência de renda do governo Lula e afirma que os direitos dos trabalhadores e a defesa do meio ambiente são definitivos. Por essas e outras, diz que o “viés de esquerda”, hoje em dia, virou sinal de trânsito.
Depois de não obter a reeleição para deputado federal, em 2006, poderia se esperar que Delfim, então com 78 anos, rumasse para a aposentadoria. Com um patrimônio declarado de R$ 2,1 milhões (principalmente em imóveis) e o direito a pensões obtido por passar décadas no serviço público, ele poderia confortavelmente se dedicar a ler mais livros de sua lendária biblioteca. Porém, a julgar pelo movimento de carros e pessoas no casarão que sua consultoria, a Idéias, ocupa no bairro do Pacaembu, o trabalho parece ter aumentado e não diminuído.
Ao longo de um mês, Delfim profere pelo menos quatro palestras (a um preço apurado de R$ 10 mil cada), escreve uma porção de artigos, leciona algumas aulas e participa de várias reuniões com clientes e dos muitos conselhos para os quais foi nomeado ao longo da vida. Somam-se, ainda, as dezenas, se não centenas, de telefonemas. O economista está no topo da agenda de muitos colunistas, entre as chamadas “fontes jornalísticas” para os quais se deve ligar todo dia para trocar informações. Sim, trocar: quem dá mais recebe mais; quem não sabe nada, leva no máximo uma frase de efeito.
À revista PODER, Delfim falou por 52 minutos, no dia 18 de março, sobre o crescimento da economia brasileira e o impacto da crise nos Estados Unidos, sobre a eleição e os presidenciáveis para 2010, comparou governos e presidentes e até contou o que faz (e o que não) com seu dinheiro. Para facilitar a compreensão, a entrevista foi editada.
LULA
Ele tem uma inteligência absolutamente privilegiada. Eu acho que o Lula salvou o capitalismo brasileiro. Os economistas têm um vício terrível, de ignorar a distribuição de renda. O capitalismo é uma competição, uma guerra. O que você exige de mínimo para uma corrida ser honesta? Que todos tenham duas pernas. Construir um mecanismo que aumente a igualdade de oportunidades (programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família) é fundamental para dar moralidade ao capitalismo. Se você não combinar esse sistema com o sufrágio universal, com a urna, termina muito mal.
O Lula conseguiu um fato elementar: aumentar a igualdade de oportunidades. É preciso que todos tenham a mesma oportunidade, senão vamos criar dois países. Isso não é garantia de resultado: é garantia de honestidade do ponto de partida. O homem é ele e suas circunstâncias, como dizia o nosso companheiro (Ortega y Gasset).
A idéia de que (os programas sociais) é assistencialismo é verdade. Só que é um assistencialismo que está montando uma porta de saída. É um assistencialismo que condiciona a educação, e agora, quando estende para as pessoas de 15 a 17 anos, está tentando colocar essa gente no mercado de trabalho. Há uma mudança de concepção. Essa é que é a contribuição do Lula. O Lula é um sobrevivente. O Lula é o Darwin andando. É um processo da seleção natural mesmo, e com uma vantagem: nunca leu Karl Marx.
Não adianta estar com ilusão: quando você entrega tudo para o economista, faz uma política economicista, sem levar em conta esses aspectos (as desigualdades), vem a urna e corrige. Nem (Hugo) Chávez, nem (Evo) Morales, nem (Rafael) Correa são acidentes. São tentativas de correções. O problema é que o sufrágio universal não garante correções na direção certa.
Quanto ao sucesso econômico, Lula foi muito honesto. A última frase dele é realmente sensacional: “Eu, mais uma mãozinha de Deus…”. E é nessa ordem mesmo.
fonte: revista Poder
13.4.08
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