Os únicos povos que eu conheço dos quais você pode falar mal e eles nem ligam são o carioca e o nova-iorquino. Você pode escrever dezenas de artigos falando mal de Nova York na maior tranqüilidade, reclamando de tudo: da sujeira, dos mendigos, do inacreditavelmente vagabundo serviço de táxi que eu duvido que algum nova-iorquino se dê ao trabalho de responder.
Ficar ofendido, então, quase impossível. Reclamar de Nova York é sinal de afetividade. No Rio é a mesma coisa: a maior diversão do carioca é falar mal de sua cidade. Você só é aceito numa roda se reclamar de alguma coisa. Xingar o prefeito, desancar a polícia, desprezar a qualidade da comida, meter o pau nos serviços é uma prova de delicadeza e boa educação.
Assim como se deve elogiar qualquer cidade do interior que se chegue, é de bom tom enfiar o cacete no Rio, como prova de amor e conhecimento. Vale tudo: da impontualidade ao calor, do trânsito à insegurança. Um carioca não se distingue pelo nascimento nem pela presença na cidade. Se conhece pelo grau de reclamação.
Pensando bem, publicitário é um pouco assim. Se você reclamar de um médico pelo jornal, ou fizer a menor crítica a um técnico em informática, pode estar certo: vai receber dezenas de cartas de pessoas revoltadíssimas com sua falta de respeito à digna profissão que tantos sacrifícios faz em prol da sociedade brasileira. Publicitário não. Você pode desprezar todos eles, ofender sua formação, considerar a propaganda a única responsável pela violência, pela corrupção e pela falta de perspectiva do jovem que ninguém vai se dar ao trabalho de retrucar.
Não consigo ligar a televisão, ler o jornal ou ouvir um programa de rádio onde se entreviste um professor, um sociólogo, um psicólogo ou uma autoridade em comportamento humano qualquer sem que imediatamente seja culpado pelo flanelinha da esquina existir, pelo abrigo de menores estar superlotado. Se por acaso algum dia eu levar um tiro na cara do ladrão que resolveu ganhar meu Technos e não gostou do tempo que levei tirando a pulseira, tenho a mais absoluta certeza de que vai chegar um porta-voz dos desvalidos para garantir que não houve nem roubo nem assassinato, mas um simples ato de justiça.
Não consigo achar uma boa teoria para justificar o que une os cariocas, os de Nova York e os publicitários. Outro dia (faz algum tempo) num programa de televisão me referi ao Carnaval de Pernambuco como pertencente a uma espécie de segunda divisão dos carnavais. Ou seja: se você tivesse uma emissora de televisão iria querer transmitir em primeiro lugar o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, depois – até pela quantidade de habitantes na cidade, o de São Paulo e depois o da Bahia. Mas Pernambuco, por mais bonito, interessante, animado, cultural, musical que seja não é o sonho de consumo televisivo do Brasil inteiro. Parece que existe um certo bom senso nisso, não?
Pois recebi dezenas de e-mails iradíssimos, pessoas xingaram minha mãe, pediram minha cabeça, afirmando que o Carnaval de Pernambuco – porque não dizer o próprio Estado – tinha sido enxovalhado por um filho de uma grande puta que não entende nada de Carnaval, de cidade e de ser humano. Assim é cada vez que alguém escreve alguma coisa criticando uma cidade, seja ela qual for.
Quirimaté da Boca do Mato se receber algum tipo de reparo a alguma coisa na cidade é capaz de justificar uma sessão especial da câmara dos vereadores só para fazer uma nota de repúdio ao cronista safado que reclamou da qualidade do banheiro da rodoviária. É por essa e outras razões que de agora em diante só criticarei publicitários, cariocas e nova-iorquinos.
Para encerrar quero agradecer do fundo do meu coração a alguns leitores fiéis que conseguem se lembrar de crônicas minhas publicadas há cinco ou seis anos. Muitas vezes a falta de tempo ou a preguiça me fazem ir ao arquivo e pescar uma crônica antiga e republicar. Pois não é que sempre tem um leitor que descobre o embuste e escreve para reclamar? Fico dividido. Se de um lado morro de vergonha como um moleque surpreendido tentando enganar os mais velhos, por outro fico profundamente orgulhoso por alguém se lembrar de uma besteira que escrevi há anos.
Esta crônica é inédita. Muita gente preferiria que eu tivesse republicado alguma antiga, mas melhorzinha. Para se ver como são as coisas.
Lula Vieira, no Propaganda & Marketing.
28.4.08
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário