A expressão, segundo o Wikipédia, significa literalmente “deus surgido da máquina”. Sua origem vem do teatro grego, especificamente da tragédia, onde havia uma suposta situação insolúvel em uma peça teatral. Aparecia então, repentinamente, um personagem (representando uma divindade ou um ser sobrenatural) oferecendo um escape, uma solução para o desfecho da trama.
Isso pode nos conduzir à uma reflexão da relação entre um plano divino e humano, e a tragédia grega no sentido mais profundo (a catastrophe), onde mesmo que se encare o protagonista como fundamentalmente inocente – ou seja, que se aponte à contingência do erro e o absurdo do castigo, cuja desproporção define em grande medida o trágico - o desenrolar dos acontecimentos direcionados para o dissabor do personagem é inequívoco.
A contingência estará presente no erro, mas não no castigo, que depende de uma ordem, mesmo que injusta. Este mecanismo do deus ex machina foi criticado pelo mais influente teórico da tragédia, Aristóteles, que insistia na necessidade da verossimilhança como propulsor das idéias do pano de fundo teatral.
Pressupondo uma conexão entre o deus ex machina e o Deus da cultura judaico-cristã, podemos alimentar um paralelo da atitude divina: como solucionar um impasse, uma situação complexa, amarrando uma seqüência de eventos aparentemente não relacionados, conectando-os com um conceito profundo?
Como conciliar um Deus Santo (separado) que não suporta a transgressão, não pela transgressão em si, mas pelo que ela representa (a separação do divino e do humano) com um povo que tem a inclinação natural de se desviar do transcendente e buscar incansavelmente o imanente?
Pela trágica analogia vida / teatro não pode haver um final feliz (o que não significa necessariamente um final sem esperança), onde o protagonista se desvencilha de todas as armadilhas e tal qual um filme maniqueísta “made in usa” derrota todos os homens maus e faz o bem triunfar heroicamente... há de haver perda, angústia, morte – ou não seria tragédia.
Em nossa tragédia particular, incompleta e errática, onde nascemos sem nada saber e provavelmente morreremos em uma situação não muito distante desta, o deus ex machina providenciou um escape na peça teatral da nossa vida: a figura de um homem totalmente sem culpa, que conscientemente se fez tragédia, dor, sangue e morte para que nossas inexoráveis transgressões fossem apagadas do olhar do Deus que não as suporta.
O escândalo do roteiro: este desprendimento (que podemos chamar de amor) custou um preço tão alto que não podemos nem chamá-lo de preço - por pressupor uma quantificação - e como não há preço, ele é distribuído a quem quiser. Assim, simples, sem nenhum atributo excludente: todos transgrediram (ninguém merece) e se ninguém merece todos podem ter.
O próprio Deus intervêm na história da humanidade como um deus ex machina, com a solução final do enredo complexo e emaranhado da vida humana: a graça distribuída através do sacrifício do seu Filho. Alguém arriscaria um roteiro mais improvável?
Walter Pelissari, no blog da Cia de Artes Prólogos & Prodígios.
18.5.08
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