Vivemos tempos interessantes. Basta ler jornais. Ou revistas. Ou assistir a programas televisivos. A liberalização dos costumes é total. Sexo? Nunca se viu tanto como agora. E nunca se derrubaram tantos tabus como agora. Abaixo o moralismo, abaixo os moralistas. Ou, como se dizia em Paris, quarenta anos atrás, é proibido proibir. Um vitoriano que viesse diretamente do século 19 ficaria em estado de choque com a libertinagem festiva do século 21.
Ou talvez não. Porque aqui reside o paradoxo do nosso tempo: nunca se viu tanto moralismo, e tanto moralista, como agora. Basta ler os mesmos jornais. Ou revistas. Ou assistir aos mesmos programas televisivos. Sempre que uma figura pública é "apanhada" com companhias pouco recomendáveis, o mesmo jornalismo que faz do século 21 uma orgia sem limites regressa imediatamente ao século 19, espiolhando os lençóis e condenando a intimidade alheia. Sexo? Já não há tabus. E, paradoxalmente, nunca existiram tantos tabus como agora.
Um dos últimos casos aconteceu com Ronaldo, o jogador de futebol que, segundo leio, foi "apanhado" com dois travestis no Rio de Janeiro. O caso despertou indignação, risadas e interrogações. E, no entanto, que crime cometeu Ronaldo para que as fogueiras fossem ateadas em público?
Excetuando o consumo de drogas, que não foi provado, encontramos um homem adulto que, depois de uma noite de farra, resolveu solicitar os serviços de profissionais. A indignação e as risadas de jornalistas ou leitores, que subitamente descobriram o inquisidor moralista que vivia dentro deles, ignoram o aspecto mais rasteiro do "problema": contratar prostitutas não tem qualquer história ou moral. E muito menos comentário: não existe um único jornalista ou leitor que, ao pensar na sua vida sexual, e sobretudo na história da sua vida sexual, não encontre motivos de pudor ou vergonha.
Sempre que vejo uma hiena a gritar ou a rir da intimidade alheia, sei instintivamente que a hiena não ri dos outros; aproveita-se dos outros para descomprimir as suas próprias taras, culpas ou frustrações.
Restam as perguntas habituais em casos do gênero: se Ronaldo tem todas as mulheres do mundo, por que duas prostitutas de rua?
A resposta possível passaria por repetir a pergunta, mas sem o ponto de interrogação. Para quem tem todas as mulheres do mundo, talvez o supremo desafio, ou a suprema necessidade, seja regressar à parte mais suja e sombria e até animal da realidade. Isso não mostra a fraqueza de ninguém. Mostra, pelo contrário, a complexidade da natureza humana.
O espírito do nosso tempo oscila continuamente entre a libertinagem mais artificial e o moralismo mais artificial. São atitudes gêmeas porque são duas formas de fundamentalismo. E o mundo, aos olhos do fundamentalista, é todo preto-e-branco. Só as hienas acreditam nesse mundo. E só as hienas passam por ele a rir ou a gritar, enquanto se alimentam com os detritos dos outros.
João Pereira Coutinho, na Folha Online.
13.5.08
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