10.5.08

Tempo que foge!

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos. Não gosto de assembléias ordinárias em que as organizações procuram se proteger e perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, onde “tiramos fatos à limpo”. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral.

Já não tenho tempo para debater vírgulas, detalhes gramaticais sutis, ou sobre as diferentes traduções da Bíblia. Não quero ficar explicando porque gosto da Nova Versão Internacional das Escrituras, só porque há um grupo que a considera herética. Minha resposta será curta e delicada: - Gosto, e ponto final! Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.

Já não tenho tempo para ficar dando explicação aos medianos se estou ou não perdendo a fé, porque admiro a poesia do Chico Buarque e do Vinicius de Moraes; a voz da Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, Thomas Mann, Ernest Hemingway e José Lins do Rego.

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”; não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar humildemente com Deus. Caminhar perto dessas pessoas nunca será perda de tempo.

Soli Deo Gloria.

Ricardo Gondim

Dia 12 de junho de 2007 Artur da Távola iniciou assim sua coluna no jornal O Dia:

"Todas as pessoas que escrevem às vezes encontram um texto que as obriga a pensar ou dizer:

- Puxa, este é o texto que gostaria de ter escrito e outro já o fez com maior precisão e brilho.

Pois deu-se comigo nesta semana: li na internet algo que me deu vontade de ter escrito antes do autor, que depois soube ser o pastor Ricardo Gondim.

Não pense o meu editor que estou "matando" trabalho. Mas este definiu com precisão absoluta o que se passa com uma pessoa na minha idade e que já viu e viveu tanta coisa do chamado mundo externo, que o máximo que deseja é seguir no trabalho para o qual é vocacionado e na deslumbrante aventura do mundo interior.

O texto de Ricardo Gondim chama-se 'Tempo que foge' e diz o seguinte:"

Num fato raro entre os artistas das letras, Artur da Távola reproduziu integralmente o texto.

Vítima de problemas cardíacos, Paulo Alberto Monteiro de Barros, o Artur da Távola, faleceu ontem. No site do Ricardo Gondim, uma homenagem ao ex-senador, jornalista e escritor.

Presença ilustre e constante neste minifúndio, aproveito a oportunidade p/ parafrasear e registrar publicamente meu carinho:

"Caminhar perto de pessoas como vc nunca será perda de tempo, querido amigo Ricardo!"

Um comentário:

Anônimo disse...

Homenagem mais do que justa a um irmão que se preocupa para onde anda a mediocridade humana.
Parabéns pela iniciativa, caro amigo.

Grande abraço pra ti.

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