Um chute na canela da moral
AMIGO TORCEDOR, amigo secador, como defendi, aqui neste mesmo panfleto ludopédico, que Ronaldo, o Fenômeno, encerrasse a carreira e caísse na vida, em vez de obedecer, mais uma temporada, à moral cristã das provações eternas, sinto-me na obrigação de estar ao lado desse rapaz outra vez.
Salve o lindo berço do São Cristóvão, Ronaldo, salve a estrela-guia e benza-te Deus contra as mazelas e mandingas dos atravessadores de caminho, saravá 9 eterno que os zagueiros de todo o planeta viram ao longe, comendo a poeira das suas arrancadas, ou, pior, viram deitados, zonzos, de ponta-cabeça, como se fora um 6 triplicado da besta-fera em alta velocidade, verdadeiro filme de terror ou ficção científica.
Em uma frase do Fenômeno, aliás, havia a explicação para tudo no tal episódio. Uma explicação de uma beleza extraordinária, poética, digna. Disse ele no primeiro momento do suposto escândalo -este cronista acha a coisa mais natural do mundo- que queria se divertir um pouco fora daquele mundinho óbvio das celebridades ou dos puxa-sacos e bajuladores. Sábio, dionisíaco, gênio!
Que me desculpe a sua namorada ou ex, mas a vida vai além, muito além, da curva lógica da idiotice de milhões de euros, a vida é um desvio de caminho, é uma madrugada no motel Papillon, acontece, ainda mais ali pertinho do Bom Sujeito, um bar de samba, como me informa um afilhado de Assis Valente, o Moreno que fez bobagem naquela linda letra, sem esquecer também o Steve McQueen, o Papillon da película homônima, preso injustamente na Ilha do Diabo, lembra? Ora, ora, ora, que moral tem a Nike, que já teve a imagem envolvida em trabalho escravo no fim do mundo, ou católicos dirigentes do Milan, com toda a hipocrisia que esse qualitativo já embute, para lhe dar puxão de orelha?
O que fez, sem entrar no mérito das meninas, afinal elas merecem também todo respeito, foi apenas encontrar um ponto de fuga na mesmice da beleza fácil e igualmente comprável. Só os tolos de alma não compreendem o que lhe passou na cabeça ali depois daquela tarde flamejante no Maraca, quando Obina, tal Fio Maravilha, foi ao nirvana.
Nada fácil a chegada ao crepúsculo no mundo da bola, ainda mais ouvindo aquela massa rubro-negra. Eu vi que mirava o tempo todo o próprio joelho, como se refletisse sobre os seus futuros passos. Amigo, o que faltava para admirá-lo por inteiro, qual um Garrincha ou um Maradona, agora não carece mais. O tanque das devoções está completo.
Xico Sá, na Folha de S.Paulo.
2.5.08
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