24.6.08

A realidade não legitima a fantasia

SERÁ POSSÍVEL escolher as preferências sexuais de um filho? Não, não falo de preferências por ruivas, loiras ou morenas. A questão, levantada pela cibernética "Slate", vai mais fundo: será possível mexer na base neurobiológica de uma criatura e "reprogramá-la" para ela gostar do sexo oposto?

Talvez. Conta a "Slate" que longe vão os tempos em que a homossexualidade era encarada como escolha pessoal ou produto do meio. A homossexualidade é um fato natural -como a cor dos olhos, a pigmentação da pele-, e estudos recentes apóiam a tese ao mostrarem diferenças visíveis no cérebro de homos e héteros.

Parece que os gays têm cérebros muito semelhantes aos das mulheres hétero. E parece que as lésbicas têm cérebros muito semelhantes aos dos homens hétero.

Mas os estudos não ficam restritos a esse retrato. Os cientistas dão um passo além e sugerem que importantes influências hormonais, durante e pouco depois da gestação, determinam a constituição neurobiológica do indivíduo. E, se os hormônios desempenham papel principal, abre-se a porta prometida: "reorientar" os hormônios, "reorientar" a preferência sexual do bebê.

A possibilidade recebe aplausos. A Igreja Católica, confrontada com tal cenário, esquece a sua própria doutrina sobre os limites da manipulação médica e apóia decididamente a busca de uma "terapia" capaz de "curar" a "doença" homossexual.

Mais impressionante é a opinião da maioria: questionada sobre a possibilidade de conhecer a orientação sexual do filho por meio de um teste pré-natal, a generalidade não hesitaria em recorrer ao aborto ou à "reprogramação" caso a sexualidade da criança apontasse para o lado "errado". No fundo, quem não salvaria um filho do preconceito social ou da "doença" homossexual?

Fatalmente, a questão é desonesta. Aceitar as premissas do debate lançado pela "Slate" -aceitar, no fundo, que, por meio da ciência, é possível reverter a orientação sexual de um ser humano- é aceitar, implicitamente, que a homossexualidade é uma doença. E, aceitando-o, permitir que a medicina a trate exatamente como trata qualquer doença.

A realidade não legitima a fantasia. A síndrome de Down ou a espinha bífida, por exemplo, são doenças no sentido mais básico do termo: elas impedem que um ser humano tenha uma vida plena. Podemos discutir se a medicina deve e pode "manipular" genética ou biologicamente uma vida humana para erradicar esses males. E podemos discutir se esses males legitimam a interrupção da gravidez.

Mas essas discussões são distintas do problema inicial: reconhecer a Down ou a espinha bífida como fatores objetivamente incapacitantes de uma vida normal.

A homossexualidade não é uma doença. Pode ser motivo de preconceito social, dificuldade relacional, neurose pessoal -mas não é impeditiva de um funcionamento pleno do indivíduo nem põe em risco a sua sobrevivência futura.

Nada disso significa, porém, que não exista uma base neurobiológica capaz de explicar a orientação sexual. É possível e até provável. Exatamente como é possível e provável que certas propensões da personalidade humana -para a depressão, para a liderança, para a criatividade- estejam já inscritas na nossa natureza.

Mas isso não autoriza a medicina a procurar o paradigma do Super-Homem, dotado da dosagem certa de humor, capacidade de chefia, talento para a pintura e para o sapateado. A busca de super-homens é uma quimera longa e trágica na história humana.

Resta a questão final: e os pais? Confrontados com a possibilidade de "reprogramarem" a orientação sexual de um filho ou de descartarem-no via "aborto terapêutico", terão os pais o direito de pedir à medicina esse instrumento seletivo e subjetivo?

Aceitar essa possibilidade é aceitar que, no futuro, os pais poderão determinar a vida futura dos filhos. Escolher a orientação sexual; o temperamento; a vocação intelectual; a excelência atlética ou estética.

Não duvido que a maioria, confrontada com tal hipótese, reservasse para a descendência o cruzamento ideal entre Brad Pitt, Albert Einstein e Pelé.

Mas um tal gesto seria uma tripla violência: contra a medicina e a sua função especificamente curativa; contra o mistério e a diversidade da vida humana; mas também contra os próprios filhos, condenados a habitar vidas que não lhes pertenceriam, mas que foram desenhadas pela vaidade, soberba e tirania de seus progenitores.

João Pereira Coutinho, na Folha de S.Paulo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabens pela postagem, primeiramente.

Meu comentário? Apenas uma confirmação da afirmativa de que o fato de ser homosseuxal (ter atração física e sexual por uma pessoa do mesmo sexo) não é fator de imcapacibilidade social, física, relacional e qualquer outro "al" de grande importância para a vida de alguem, para um desenvolvimento mental, intelectual e emocional em sua vida.
O fato de alguem ter o poder para influenciar nesta pré-disposição genética quanto a orientação sexual só vem a confirmar que a doença maior a ser tratada é o preconceito, os medos,a incapacidade piscológica de aceitar a natureza diferenciada de uma minoria, uma covardia com a liberdade alheia e um autoritarismo religioso e social de extrema ignorância.
Creio que estas possibilidades científicas não passam de mera euforia para estas mentes usurpadas e bitoladas.
Poder "escolher" caracterísitcas fisico-piscológicas de um ser é querer se equiparar a DEUS (ou a força maior que ordena o funcionamento das coisas naturais) e isto no meu ponto de vista é a maior e pior vaidade humana.
Fica aqui o registro de que valorizo, engrandeço e admiro profundamente a incrível capacidade humana de amor ao proximo, de respeito as limitações e opções pessoais com uma consequência única de crescimento e amadurecimento que existirá apenas, repito APENAS numa atitude humanizada, liberal e de respeito a VIDA (vida esta criada pela natureza, e não por infrutiferas artimanhas científicas).

Grande abraço!

Anônimo disse...

Em alguma parte do mundo algum médico já disse que o anûs é um orgão sexual?Eu penso que um gastro deveria ser chamado para fazer tal afirmação...Eu penso que a intimidade não deve vir á praça nem a profissão é intimidade...aquela garota que era namorada da filha da Gretchen era lesbica no mês passado agora não é mais...já pensou se ela tivesse feoto a cirurgia grátis do SUS...

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