Derrubar sabonete num banheiro coletivo é um pânico masculino. Fundamentado, aliás.
Não há como se livrar dele. Quando freqüentava o clube de natação, fui condenado a abandonar sabonetes no ralo. Se ele caía, não iria buscar.
O receio que escorregasse me induzia a apertar forte suas curvas. Daí que ele deslizava para nunca mais. Até porque voava longe. De propósito. Para magoar as fronteiras.
O que lavei lavei. Não me restava outra opção senão contar com o milagre terapêutico da água. Ou fazer com que o xampu terminasse o trabalho da lavagem pelo resto do corpo.
Agachar-se, de modo nenhum! Todo homem nu ao lado de outro homem nu é um traveco em potencial.
É uma posição incômoda. Pedir passagem e dobrar os joelhos com as pernas fechadas. Requer treinamento e nenhum erro logístico. Um simples tremor e estalo dos ossos provocam uma comoção espírita. Desastroso enfrentar os olhares desconfiados e debochados de meus vizinhos. A honra sempre foi espumosa.
Eu confortava os colegas:
- Pode deixar, tudo bem, já me lavei.
Dava como perdido, para alívio geral da rapaziada. Não era o único. Um acordo implícito dominava os boxs.
A faxineira do clube não esclareceria o desperdício vultoso de sabonetes no ralo. No final do dia, cinco boiavam na grade branca. Inteiros, intactos, de diversas cores. Um santuário de sabonetes. Assim como beatas acendem velas na igreja, nós, beatos, arremessávamos as oferendas a Nossa Senhora das Navegantes. Em troca, a santa deve ter ficado perfumada com a preservação de nossas castidades.
Na ducha do futebol, prossigo com a sina. Quando acompanhado, sou tomado de um despojamento nirvânico dos produtos da higiene pessoal. Sou imensamente perdulário. Não resgato as peças perfumadas do azulejo. Vou legando rastros de meu medo.
Ainda prefiro correr riscos a empregar sabonete líquido.
O sabonete líquido é muito mais covarde. Afeiçoado às infusões, às infiltrações. Os dedos entram em contato direto com a pele. Sem mediações neutras. O sabonete líquido é o próprio homem violentando a si mesmo. Nem precisa se ajoelhar.
arte: Robert Rauschenberg
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